Alicia já estava a mais de uma hora ali. Tinha identificado logo nos primeiros minutos que o potro não estava corretamente posicionado. Nessas horas agradecia por ser mulher, mesmo sendo muito forte seus braços permaneciam bem mais finos do que os de um homem. Não foi fácil lutar contra as contrações uterinas cada vez mais potentes, mas ela conseguiu posicionar o potro corretamente.
Carlos já havia trocado o soro duas vezes, a égua continuava a transpirar muito e todo seu corpo já se encontrava molhado. A exaustão começa a se fazer presente no pobre animal que continuava a tentar "por no mundo" seu filhote. Alicia sabia que Lua já havia parido mais três vezes e, por isso, se mantinha calma. Ela própria havia auxiliado em um dos partos e era como se a égua soubesse o que estava acontecendo e por isso ambas se ajudavam. Mesmo assim Alicia percebeu que a força de Lua começava a diminuir.
Ela desde o começo conversava com o animal. Dizia frases incentivadoras e pedia para que ela a ajudasse. Realmente conversava com o animal como se ela a entendesse. Alicia sentia que era compreendida, como veterinária já havia se deparado com muitas situações que lhe comprovavam que os animais eram tão inteligentes quanto os seres humanos e que eram mais do que capazes de compreender as pessoas.
- Carlos ela precisa de mais soro! – disse a veterinária nervosa com o quanto de suor via no pelo de Lua.
Alguns minutos depois, enquanto o rapaz ainda preparava o novo frasco, Alicia viu o primeiro sinal de que a égua já não estava mais aguentando. No meio de uma forte contração Lua abaixou a cabeça e parou de fazer força. Ela tinha desistido pela primeira vez.
- Troque o frasco logo e pegue as duas seringas de 20ml cheias na bandeira com os frascos de soro – falou a veterinária sentindo medo – Encaixe o equipo no frasco novo e deixe gotejar devagar. Aplique todo o conteúdo das duas seringas no acesso venoso e depois abra o soro – ela instruiu enquanto tentava ajudar o potro a se encaixar no local correto.
O jovem animal estava inquieto e se movendo demais. Ela já havia notado que ele era muito grande. Mas não esperava que Lua fosse começar a dar sinais de fadiga e desistência antes dele se encaixar no canal do parto.
- Eduardo, me passe as cordas! Vamos precisar ajudar ela – ela gritou para o rapaz que parecia tremer ao ver e ouvir a égua bufar e respirar de forma sôfrega.
Eduardo era o mais novo entre os responsáveis por cuidar dos cavalos, tinha apenas 19 anos e amava os animais tanto quanto ela. O único problema era que o rapaz tinha uma empatia enorme e, por vezes, sofria tanto quanto os próprios. A questão era que, nessas horas, ele ficava desnorteado demais para ajudar.
- Vamos Lua! – gritou Alicia para a égua – Eu sei que você consegue garota. Estamos quase lá – virou-se e viu Eduardo perdido olhando a bandeja com os equipamentos esterilizados – O maior a direita, Eduardo! Acorde garoto!
Ele conseguiu achar e rapidamente se aproximou dela para abrir o pacote de forma que Alicia pudesse pegar a corda esterilizada. Era uma corda de algodão de aproximadamente 1cm de diâmetro, macia e flexível. Ela segurou uma ponta com a mão direita e manteve o resto da corda enrolada na esquerda. Fez um pequeno laço na ponta e introduziu seu braço junto da corda. Conseguiu achar uma das mãos do potro com rapidez e passou o laço por ela mantendo a corda levemente tensionada enquanto pegava a outra ponta e buscava a outra mão do potro.
Enquanto isso, na cadeira acolchoada da varanda, Maia se encontrava inquieta. Tinha vontade de ir até o pavilhão para acompanhar o que se passava com a égua. Ela havia chegado perto de um cavalo apenas uma única vez na vida, mas sempre os achou animais lindos e imponentes. Por isso ela queria muito saber o que se passava dentro daquela baía, mas sabia que seu irmão ficaria contrariado se ela decidisse ir. Ainda mais depois de tê-la visto fazer uma expressão de dor ao se sentar na varanda.
Ela precisava admitir que havia se cansado e que, talvez, insistir em caminhar tenha sido uma ideia ruim. Odiava a cadeira de rodas, mas os desníveis e escadas que teve de enfrentar desde que chegou ao Rancho haviam acentuado algumas dores em seu quadril que ela andava controlando com medicação. Mesmo assim não conseguia desviar seus pensamentos do estábulo nem seu olhar de Giulio que continuava a andar de um lado a outro. Tão concentrada estava que apenas se deu conta do teor da conversa entre Giovani e o advogado quando ouviu algo que ia contra ao que queria no momento.
- ...Acredito mesmo que o melhor para nós seja vender a parte da área que pode ser vendida – foi a única frase que ela realmente ouviu, mesmo sabendo que seu irmão tinha estado falando sobre outras coisas antes.
Ela se virou rapidamente para os dois homens ao seu lado. Eles olhavam um para o outro ou então para as xícaras de café que tinham nas mãos. Pareciam não se importar com a falta de atenção que ela lhes dispunha. Maia ainda viu o advogado concordar com a cabeça enquanto tomava um gole da bebida quente.
- Eu não aceito vender – disse ela interrompendo o que o irmão estava para tentar dizer, provavelmente sobre algo relacionado a permitir o anúncio da venda – Não tente me dissuadir, Giovani. Eu não pretendo nem vou abrir mão dessa propriedade. Vou me inteirar sobre a administração e assumir se você não o quiser. Acredito que com a minha parte da herança de mamãe posso tranquilamente comprar a sua metade. Então, senhor advogado, pode preparar os papéis para agilizar o inventário, eu não vou vender.
- Maia, preste atenção no que está querendo – falou o irmão, seus olhos verdes cristalinos, quase azuis, a encararam tentando mostrar calma e gentileza, mas ela sabia que era apenas para ele tentar fazer-se ouvir – Não entende nada de administração. Não sabe nada a respeito da vida no campo. Não entende nada de cultivo de frutas e muito menos tem noção do que se fazer com uma criação de cavalos. Você não pode simplesmente decidir que quer se mudar para essa cidadezinha. Tem muitas coisas que você necessita e que não poderá ter acesso estando aqui. Pense bem, minha irmã, vender é a melhor opção.
- Eu pensei o bastante e, pode ter certeza meu irmão, eu sei exatamente o que estou pretendendo fazer. Tenho completa noção de meus desconhecimentos – ela falou decidida e encarando o irmão com seus olhos verdes escuros e intensos – Como dizia nossa mãe: "Ninguém nasce sabendo". O que não sei irei aprender.
- Maia! – exclamou o rapaz irritado e inconformado – Que tipo de vida acha que vai conseguir ter aqui? Se um dia precisar de atendimento médico urgente vai acabar morta dentro desse Rancho como nosso tio-avô Antônio! Você melhor que ninguém sabe o quão frágil é sua saúde. Sem falar no fato de que sua autonomia nesse lugar seria reduzida a praticamente zero. Se numa cidade desenvolvida e com recursos você dificilmente consegue se locomover sozinha, imagine aqui nesse fim de mundo! Precisaria de duas pessoas para carregar sua cadeira se você precisar usa-la.
- Pois eu não pretendo precisar dessa porcaria de cadeira de rodas! – esbravejou ela se apoiando na cadeira para se erguer e ficar de pé – Posso contratar um fisioterapeuta que venha até aqui uma vez por semana, tenho dinheiro de sobra para isso! E depois, onde você acha que vai encontrar um lugar melhor para tratar meus problemas respiratórios? – inquiriu ela se apoiando na cadeira para dar a volta na mesma e começar a sair de perto do irmão – Esse é o lugar perfeito para mim. E se não quiser ficar, pode partir ainda hoje. E aproveite para mandar o resto das minhas coisas que ainda estão em nossa casa em Uberlândia. Decida se quer manter sua parte da herança ou não. Se quiser faremos um acordo para dividir os lucros e responsabilidades, mas se não quiser deixe logo claro sua decisão para que o Doutor Cardoso possa ajeitar a papelada do inventário e eu possa comprar a sua parte.
Ela nada mais disse, engoliu o desconforto e a dor de caminhar e foi andando, passo a passo, para longe dos dois até a escada. Estava decidida a ir sozinha de volta ao estábulo e esperar pelo desfecho da situação com a égua Lua. Seu irmão não teria a mínima chance de fazê-la mudar de ideia. Mesmo com a dor excruciante que seu quadril prometia lhe aplicar por tanto tempo andando sem apoio ela seguiu adiante e não olhou para trás.
N/A: Esperem pelo próximo domingo hehe ;]
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Argentum [EM REVISÃO]
RomanceAlicia Ferraz é uma simples veterinária, mas talvez não tão simples assim. Mora numa cidade pequena no interior do Rio Grande do Sul, deixou toda a vida que havia construído em Porto Alegre para voltar e cuidar dos pais. Quando o pai, também veterin...