Era uma sensação estranha para a veterinária. Ela estava sentada em frente a Maia, com o bule de chá sobre a mesa entre as duas e cada uma com uma xícara nas mãos. Depois do que havia acontecido enquanto a mais nova cuidava de seu machucado Alicia evitava olhar para a jovem de olhos verdes. Sentia-se constrangida por toda a situação e, principalmente, não queria se descontrolar e ficar encarando-a o tempo inteiro. Muito menos correr o risco de transparecer em seu rosto as coisas que sentia apenas por compartilhar o mesmo espaço que a dona do Rancho. Alicia ainda conseguia sentir os dedos de Maia tocando sua pele enquanto ela cuidava do corte em seu ombro, ainda sentia a pele da região quente, não por conta do ferimento, mas por causa da sensação que aquele simples toque havia lhe proporcionado.
Em seu lugar, Maia desviava os olhos da veterinária sempre que se pegava olhando para a mulher mais velha. Mas tinha uma desconhecida necessidade de olhar para a mulher a sua frente e não conseguia controlar seus olhos que voltavam a olhar para Alicia. Seu olhar era atraído pela presença da veterinária desde o instante em que se viu nos braços da mesma. Maia havia passado muito tempo sendo cuidada por outras pessoas, sentindo o cuidado dos outros para consigo por conta de sua situação. Mas nunca havia se sentido daquela forma ao receber o carinho de alguém, era uma sensação completamente diferente do que ela tinha quando a mãe lhe atendia ou quando o irmão demonstrava algum cuidado para consigo.
Sentia-se bem com a preocupação dos outros no começo, com o tempo aquilo tudo lhe soava opressivo e controlador. Mesmo assim tinha apreço pelo carinho que, principalmente, sua mãe lhe demonstrava. Mas não era como o que tinha sentido quando foi puxada de cima da cela direto para os braços fortes daquela mulher a sua frente. Alicia a havia envolvido com tanta firmeza, mas ao mesmo tempo com tanta delicadeza e cuidado, que Maia havia ficado sem reação nos primeiros segundos. Quando assimilou tudo era como se sentisse algo dentro de seu peito se derreter enquanto uma sensação de calor e aconchego surgia em si.
Nunca havia sido preenchida com uma sensação parecida antes. A única coisa com que podia comparar aquilo seria a sensação de estar num dia frio e alguém lhe envolver num cobertor já quentinho. Ou a sensação de beber um gole de café ou chocolate quente numa manhã fria. Lembrava-se de pensar que a sensação de mergulhar numa banheira com água morna num dia fresco deveria ser igual a ser envolvida pelos braços protetores da veterinária. Ninguém, nunca, a havia feito se sentir daquela forma. Pensar em todas essas comparações só a faziam ter ainda mais certeza de que jamais havia se sentido assim com alguém antes. E, ao voltar a se concentrar no que acontecia a sua volta, se deu conta de que estava olhando para Alicia outra vez.
Antes de desviar seu olhar se permitiu analisar um pouco mais a mais velha. Alicia estava olhando para sua xícara em cima da mesa. Pelo tecido rasgado da camisa ela podia ver o curativo com uma pequena mancha vermelha que não parecia estar aumentando. As mangas da camisa dobradas duas vezes, os últimos botões ainda abertos, as mãos envolvendo a xícara. Parecia pensativa, cansada até. Maia sentiu vontade de abraça-la e perguntar porque estava aparentando tanta melancolia. Talvez ela tivesse feito isso, mas apenas talvez. Antes que voltasse a fazer algo além de encarar a veterinária a porta do quarto foi aberta com certa violência atraindo a atenção das duas.
- Que história é essa de mandar os empregados mudarem minhas malas do quarto principal? – a voz de Giovani se fez presente reverberando pelo quarto enquanto ele entrava com certa fúria.
Maia suspirou, esperava que o irmão ficasse sabendo disso apenas depois de Alicia terminar seu chá. Infelizmente as coisas não saíram como ela desejava e, a consequência disso, era o irmão irritado vindo tirar satisfação em frente à Alicia. A veterinária, assim que ouviu a voz alterada do homem, se ergueu deixando seu chá em cima da mesa e se virou na direção de Giovani, mas o rapaz sequer notou a presença dela no quarto naquele primeiro momento. Tudo o que ele fazia era focar seu olhar irritado e indignado em Maia que permanecia com uma expressão de calma.
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Argentum [EM REVISÃO]
RomanceAlicia Ferraz é uma simples veterinária, mas talvez não tão simples assim. Mora numa cidade pequena no interior do Rio Grande do Sul, deixou toda a vida que havia construído em Porto Alegre para voltar e cuidar dos pais. Quando o pai, também veterin...