O fim daquele ano seria recheado de festas, primeiro as duas com o noivado, dois meses depois finalmente o casamento de Carlos e Lúcia, para o encerramento ainda haveria a primeira vez em que os gêmeos passariam o Natal no Brasil junto com a primeira vez em que a mãe dos dois visitaria o Rancho. Mas tudo começaria pelo noivado. Alicia e Maia decidiram por um pequeno jantar de noivado que planejaram para a segunda semana seguinte ao pedido, a dona do Rancho fez questão de preparar convites para cada pessoa importante que queria com ela naquele momento. Ela sabia que os irmãos teriam que voltar, pois suas aulas iriam se iniciar na semana seguinte, então não tiveram muito tempo para preparar tudo. Por conta da pressa não fizeram uma lista, apenas foram escrevendo os convites a mão para cada pessoa que concordavam em chamar.
Estavam quase acabando, Maia tinha terminado de escrever o convite ao melhor amigo e estava começando a guardar cada papel em seu envelope quando Alicia esticou a mão por sobre a mesa segurando a mão direita dela. As duas se encararam por alguns segundos antes da veterinária colocar ambas suas mãos em volta da direita de sua noiva. Alicia acariciou o dorso com os polegares desviando o olhar por segundos antes de voltar a se fixar nos olhos verdes e perguntar.
- E seu irmão? – ela questionou e Maia entendeu na hora que ela se referia a Giovani e não Jordan.
Houve um silêncio desconfortável onde os olhos verdes se focaram nas mãos juntas e no anel que brilhava na mão da noiva. Ela ainda não sabia o que pensar sobre o irmão mais velho. Nos últimos meses Giovani havia sido quase que exemplar, Márcio havia solicitado, a pedido dela, que os supervisores do ex-médico enviassem cópias dos relatórios sobre o serviço dele. Maia havia decidido que ele prestaria 6 meses de serviços em 3 diferentes locais, o primeiro era uma ONG de proteção aos animais que resgatava cães e gatos e realizava projetos de castração e adoção responsável; o segundo foi um abrigo voltado a acolher pessoas LGBTQI+ que estivessem passando por situação de risco após serem expulsos de casa tendo ou não sofrido violência doméstica.
O último lugar onde ele trabalharia era uma pequena ONG numa comunidade carente na periferia da cidade que atendia crianças carentes de 5 a 14 anos oferecendo um espaço para que as mães pudessem deixar as crianças no horário oposto ao escolar participando de projetos culturais ou reforços escolares. A ONG também buscava atendimento médico periódico com dentistas e pediatras parceiros. Nenhum dos supervisores de Giovani apresentou queixas sobre ele durante o tempo em que esteve em cada um dos lugares. De fato, ele fez de maneira exemplar tudo o que lhe fora designado, até quando isso se resumia ao serviço de limpeza; algo que ele fez em todos os três locais. Só que o mais surpreendente foi que, por mais incrível que pudesse parecer, depois do período que ele teria de trabalhar voluntariamente na última ONG, o rapaz havia pedido para continuar no lugar. O supervisor do projeto aceitou e ele ficou mais dois meses trabalhando sem salário até que surgiu uma vaga para recepcionista e ele foi contratado.
Giovani não necessariamente precisava do emprego, poderia sobreviver sem nenhum problema se não quisesse manter o estilo de vida que tinha antes. Havia vários imóveis que pertenciam a ele, quase todos da herança da mãe a parte do tio avô, estes estavam alugados e rendiam uma boa quantia para ele por mês. Mesmo assim, de acordo com os últimos relatórios que Maia receberá, o irmão estava feliz trabalhando 16h por dia por um salário mínimo. A ideia era tão absurda para ela que havia até pensado em contratar um investigador para ter certeza de que o irmão não estava se envolvendo com nada que pudesse prejudicar a ONG onde estava trabalhando, mas seus planos haviam sido deixados de lado quando, quatro meses atrás, ela recebeu uma carta do irmão.
Ele dizia na carta que havia preferido isso a uma ligação porque não sabia se a irmã o atenderia e nem acreditava que ela tivesse razões para isso. Dizia também que não tinha ideia se ela leria aquilo ou não, mas que ele se sentia na necessidade de escrever aquelas palavras. Ele contava que estava ainda mais arrependido, tanto das atitudes erradas que o levaram a perder o CRM quanto de seu comportamento desde sempre. Também agradecia a Maia pelo que ela havia feito e pela oportunidade que deu a ele, mas, principalmente, por tê-lo colocado naquele serviço voluntário. Ele havia conhecido uma moça que também era voluntária no lugar, ela estava desempregada quando se conheceram, por isso ficava a semana toda na parte da tarde, ela havia sido a responsável por "vigiar" Giovani nos primeiros meses e garantir que ele estivesse cumprindo com seus deveres. Seu nome era Pamela da Silva, filha de uma empregada doméstica, que havia interrompido a faculdade de enfermagem quando a irmã mais nova teve seu segundo filho para ajudar a mãe com as despesas da casa e desde então vinha trabalhando como atendente em várias lojas. Os dois haviam começado um namoro dois meses antes dele escrever a carta e Giovani, depois de pedir perdão pela forma como havia agido com a irmã nos últimos anos, a agradeceu por permitir que ele encontrasse alguém especial.
Maia nunca havia respondido a carta, ainda não sabia como responder aquilo, ainda não sabia como lidar com aquela mudança inesperada do irmão. Parte dela ainda tinha o receio de se decepcionar outra vez com o mais velho, outra parte não conseguia acreditar que ele pudesse ter mudado do homem mesquinho que havia conhecido antes. Quando os verdes encontraram os castanhos claros outra vez ela pensou profundamente sobre não avisar nada ao irmão mais velho, mas os olhares das duas conversaram, como se Alicia soubesse o que ela estava pensando, de fato a veterinária conhecia as inseguranças da noiva em confiar no irmão outra vez. Naquela troca de olhares Maia entendeu que precisava dar outra chance a ele, dessa vez, pelo menos, ela sabia que teria muito mais apoio para lidar com outra decepção, mas, acima de tudo, ela via que a veterinária queria acreditar na mudança de Giovani, tanto quanto ela, simplesmente porque sabia que isso a faria feliz. O último convite foi escrito e, ainda naquela tarde, os que podiam ser entregues pessoalmente foram e os outros Carlos entregou na pequena agência dos correios com o pagamento da taxa de entrega expressa.
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Argentum [EM REVISÃO]
RomanceAlicia Ferraz é uma simples veterinária, mas talvez não tão simples assim. Mora numa cidade pequena no interior do Rio Grande do Sul, deixou toda a vida que havia construído em Porto Alegre para voltar e cuidar dos pais. Quando o pai, também veterin...