• Jéssica Narrando •
Acordo com o barulho do mar, melhor maneira para se acordar.
Me sento e fico observando o mar por alguns segundos. Tive uma noite não muito boa, na verdade, eu quase nem dormi durante a noite.
Fiquei conversando até altas horas com o Matheus, e enfim, consegui dormir um pouco, porém depois o Matheus deitou ao meu lado e eu acordei, e não consegui dormir mais, fiquei apenas pensando no dia de hoje.
Me levanto e vou para a beira do mar, eu achei esse lugar super lindo e maravilhoso. Eu nem sabia que existia e acho que quase ninguém sabe dele...
Hoje não era um bom dia, na verdade nenhum dia era bom, mas esse era ainda pior.
Meu aniversário.
Geralmente as pessoas gostam de comemorar essa data, para mim, ela não fazia diferença alguma.
Todo ano, esse dia em especial, é um dia horrível e vazio.
Eu odeio esse dia!
Eu sempre vi o mundo como um lugar aonde eu não deveria estar.
Hoje é um daqueles dias que eu realmente não queria ter acordado.
Sem que eu pudesse controlar as lágrimas já tomaram meu rosto. Eu não gosto de chorar, não gosto de parecer fraca, mas esse dia, é simplesmente impossível controlar as lágrimas...
Andando na beirada do mar, começo a lembrar da minha infância. Como foi tudo tão difícil... Desdo dia em que eu nasci, só houve sofrimentos e sofrimentos. Na minha infância, eu poderia estar brincando, correndo, mas não, eu estava chorando. Por fome e frio. Ou saudades dos meus pais, talvez. Meus pais... Eles se foram como todos os outros que entraram em minha vida. Talvez, por isso, eu prefiro ficar sozinha. Pois, pelo menos sozinha, ninguém me machuca, ninguém me abandona, sozinha, eu não vou sentir novamente a dor horrível do abandono.
Não vou mentir, eu sinto tanta vontade de ver meus pais novamente, nem que seje uma última vez... Eu só queria lhe falares algumas palavras que por muitos anos estão guardadas, eu acho que se um dia eu conseguir dizer a ela (minha mãe) tudo o que eu tenho vontade de falar, talvez, eu me sinta melhor, mais leve.
Quando eu visse ela, eu até gostaria de começar falando "Querida Mãe", e acabar com abraços e dizer "Obrigada por tudo. Amo você" mas na verdade se eu fizesse isso, estaria falando com outra pessoa, não com a mulher que me deu a vida. Mais do que adianta me dar a vida? E depois ir tirando ela de mim aos pouquinho?
Eu nunca chamarei ela de mãe, porque é uma palavra que não se adequa a ela, não tenho que agradecer a ela pelos meus vividos 19 anos.
E, amor... Bom, posso dizer que desconheço essa palavra, mas para não dizer que sou ruim, ou tenho coração de gelo, digo que amor, eu tenho apenas pelos que realmente valem a pena, por aqueles que dariam a vida por mim, e que todos os dias se esforçam para me ver feliz.
Durante todos esses anos formulei muuuuuitas perguntas e sempre tentei procurar as respostas mais "leves" de forma que ela não ficasse com a imagem de um ser humano desprezível. Sim, apesar dela ter simplesmente desaparecido e me ter deixado, deixado a Juliana sem um porquê, sem um teto, sem comida, eu não consigo odia-la. Não por ser a mulher que me pôs no mundo, aliás quase todas as mulheres são capazes de dar a luz, mas ser mãe.... Ser mãe é bem mais que isso, envolve tanto sentimento, tanto carinho, poucas mulheres conseguem ser mãe de verdade.
Sinceramente, quando eu era mais pequena, eu sentia raiva, revolta e muito ódio.
Eu não entendia o motivo pelo qual ela desapareceu, na verdade, até hoje eu não entendo, não consigo entender o que leva uma "mãe" abandonar suas duas filhas pequenas no mundão.
Às vezes, eu chegava a me culpar, pelo seu abandono, cheguei a pensar que eu era a culpada, eu é que não prestava...
Tinha dias de muuuuuito prantos, de choro, eu chegava a sentir tanta dor no peito que me sufocava, olhava ao meu redor e via que todos meus "amigos" tinham mãe (Sim, uma verdadeira mãe), cheguei até sentir inveja e ciumes, porque eu me sentia uma criança rejeitada.
A verdade é que eu cheguei a desejar a morte dela, preferia que ela tivesse morrido, preferia ter uma boa mãe e morta, do que ser uma criança deixada pra trás.
O dia das mães, dia dos pais, durante anos eu sofria com essa data. Eu ficava muuuuuito magoada, triste, mais eu sempre, desde pequena, me fazia de forte. Fazia as lições de dia das mães na escola, canções, lembrancinhas, e quando eu chegava em casa, eu apresentava para a Dona linda, que apesar de nem ser parente, me amou como uma mãe, uma mãe de verdade. Ela era a única que conseguia perceber o vazio nos meus olhos naquele dia, sem me tratar como uma coitadinha.
Por muitas vezes me perguntei, onde minha mãe estaria e o que estaria fazendo em determinados momentos, se ainda está viva ou se algo pior tinha a acontecido, eu nem lembro do seu cheiro, nem dos seus beijos, realmente, eu não me lembro, eu só me lembro do pior que aconteceu, de todo o mal, talvez a minha memória eliminou o bem, ou talvez ele nunca tenha acontecido, não sei bem ao certo.
Muitas vezes imaginei nosso reencontro e até como correria, e por mais que eu tentasse, eu sempre imaginava um fim trágico.
Quando eu era criança, nem o nome dela eu podia ouvir, parecia uma faca atravessando meu peito, o sentimento de culpa me invadia e eu sofria tanto, mais tanto...
Agora com 19 anos, sou tão diferente, aprendi tanto com as porradas da vida, a vida foi dura, mas eu aprendi, e me tornei uma pessoa melhor, cada dia foi um novo aprendizado.
Acredito que as coisas acontecem por um motivo, seja ele qual for, seja ele aceitável ou não.
Aquelas perguntas de crianças ainda não desapareceram, mas não perco tempo com elas, e aquela culpa desapareceu.
Nenhuma criança é culpada pelos erros dos adultos, essa é a única certeza que tenho na minha história.
Hoje, passados tantos anos, ainda não sei nada sobre ela e sinceramente nem quero saber. Não lhe amo, nem lhe odeio, não lhe desejo o bem e não lhe desejo o mal.
Se eu a perdoei? Não! O perdão só merece quem mostra real arrependimento.
— Você tá chorando? — Matheus pergunta sussurrando em meu ouvido me tirando dos meus pensamentos.
— Não! — digo limpando as lágrimas rapidamente.
— O que aconteceu? Quer conversar, sobre?
— Não, eu tô bem. Já vamos embora? — pergunto para mudar de assunto.
— Você quer se livrar de mim assim rapidamente?
— Não, mas as meninas e a Juliana deve estar muuuito preocupadas.
— Já falei com o Arthur ontem, pode ficar tranquila. Vamos curtir nosso sábado.
— Claro — digo dando um meio sorriso.
— Ah, não! E esse sorriso fraco ae? Vamos dar um jeito nisso.
Rapidamente Matheus me pegou no colo e me jogou no mar, me levantei e começamos uma guerrinha de água.
Quando Matheus estava se distraiu e ficou virado de costas pra mim, peguei impulso e subi na mesma.
"Eles me destruíam como um furacão."
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Não queira me conhecer
RomansaMatheus é dono do morro da Rocinha. Ele é um cara frio, calculista, cheio de ódio e rancor. O único amor que ele conheceu foi de sua mãe, mas ela foi assassinada friamente em sua frente. Depois desse dia, ele jurou vingança. E desde então ele não da...