I

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A cada vez que a agulha penetrava em sua pele acima da sobrancelha esquerda, seus olhos piscavam mais e mais de maneira pesada, até que decidiu fechá-los por fim. Os dedos da doutora ainda roçavam sua pele, a voz de Steve ressoava firme e alarmada por todo o cômodo branco. Ele estava falando há um bom tempo, desde que a encontrara caminhando trôpega e ferida pelos corredores do edifício em Wakanda, amparada por um par de guerreiras Dora Miljae. Então o próprio se colocara no dever de ajudá-la a ir até a enfermaria mais próxima da construção.

Ela engoliu em seco, abrindo a boca por puro reflexo do corpo. As paredes giravam. A silhueta azul, sempre azul, de Steve duplicava-se, quadruplicava-se, não passava de um borrão.

Lembrava-lhe alguém de cabelos brancos. Alguém que apenas a abraçaria. Alguém que não estava mais lá.

Mas ele continuava a falar.

— É a terceira vez este mês. – Wanda não soube dizer se tinha feito finalmente um pausa ou se imaginara isso, tanto que abriu as pálpebras. Pouco depois, este mesmo pensamento dissolveu-se no ar, embora sem alívio. – Seu olho, droga – Ele xingou baixinho. – Seu olho roxo mal sarou.

O Capitão fez menção de se aproximar, algo o deteve. Talvez tenha sido o olhar pesado da enfermeira, pois ela ainda costurava o corte, talvez se tratasse do mero desconforto de tocar em seu rosto delicado e abatido.

Ou talvez tenha sido a memória dela na prisão, com camisa de força, coleira elétrica e um vazio abissal em seus olhos.

Wanda não ouvia bem. Parecia estar soterrada por infinitos metros cúbicos de água do mar, escutando o gorgolejar etéreo de correntes oceânicas. Surda para o mundo real. Mas suas pupilas captaram aquele movimento hesitante do Capitão.

Sua expressão mudou.

— Eu... – Testou a voz, tão sumida nos últimos meses. Então falhou miseravelmente em tentar não parecer um corvo, um corvo com seu melancólico sotaque sokoviano. – Eu estava treinando. As Dora Miljae...

— As Dora Miljae não deveriam ter aceitado seu desafio. Não depois da última vez. – Bufou, olhou para os lados. – Aliás, em nenhuma hipótese.

— Eu estava treinando. – Repetiu, convicta feito uma criança teimosa. Feito Pietro. Sua testa se franziu e de um de seus olhos saiu uma lágrima, por mais que a agulha da enfermeira estivesse longe de sua carne. Os pontos terminaram. – Melhorei desde a última vez. Quero depender menos de meus...poderes. Estou indo bem.

Havia desespero contido na voz de Steve. Desespero e frustração.

— Você está se destruindo.

— Eu não estou!

A enfermeira tapou um grito com uma das mãos.

Bisturis, tesouras, bandagens e frascos de súbito foram ao ar, envoltos por uma aura escarlate viva e pulsante.

Os olhos da jovem se arregalaram rubros, parecendo maiores do normalmente eram. Logo veio o descompasso em seu peito, sua oração secreta nos lábios para que tudo ficasse... Bem?

Wanda soltou o ar de seu peito lentamente, tão lentamente que ela acreditava que havia tanto vazio dentro de si quanto sentia. As lâminas e outros utensílios da enfermaria tremeram antes de voltarem ao seus devidos lugares, com um baque oco e metálico.

Steve baixou o rosto.

— Njeri. Por favor, nos deixe a sós por um minuto.

A expressão da enfermeira já havia se suavizado, por mais que seus lábios curtos e volumosos tremessem. No fundo, culpava-se pela tolice de ter gritado. Conhecia a menina, a Maximoff. Assustadiça e silenciosa. Boa. Sorriu para a paciente, concedendo a escolha à ela. Sairia somente quando Wanda a autorizasse. Steve não interferiria nisso, nem sendo próximo ao rei T'challa, muito menos por ser conhecido como o Capitão América.

A garota assentiu com a cabeça, depois murmurou uma resposta ininteligível para Njeri.

Ela saiu quando Wanda a encarou nos olhos, uma súplica refletida por suas íris esverdeadas.

— Wanda... Wanda, eu – Ele bufou de novo. Wanda queria saber o que tantos bafejos significavam. Quando Pietro bafejava, geralmente ela entendia o porquê. Ela entendia tudo nele. – Eu não sei o que fazer. Não quero proibi-la de nada, mas não posso te ver se ferindo desse jeito, se ferindo porque quer.

Não houve resposta.

— O que pensa que Clint vai achar disso?

— Clint está indo embora. Logo você também vai.

Estavam no começo de Dezembro. O agente Barton tinha família e T'challa arrumara um jeito de fazê-lo voltar. Scott Lang seguiria seu rumo, sob a tutela discreta de Hank Pym. Sam e Steve partiriam em outra missão, assim como fizeram o restante do ano.

Wanda ficaria.

— Diga o que você precisa para melhorar, Wan.

Ela segurou as lágrimas.

Nem mesmo o Capitão América conseguiria trazer de volta o que ela mais necessitava. Nada no mundo traria a metade de sua alma de volta a vida, a metade azul, prata e incontrolável.

— Só... Só me deixe sozinha. Por favor.

VaziosOnde histórias criam vida. Descubra agora