Devyat' - Parte Três

585 73 6
                                    

Eles deram uma breve caminhada pelos jardins do palácio, conversando amenidades enquanto T'Challa mostrava espécies nativas de plantas e como funcionava o sistema sustentável e limpo de iluminação, que era aceso agora no início da noite. Wanda não se lembrava de ter desfrutado de um passeio agradável assim quando chegara, mas para ser justa, não se lembrava de tanta coisa. As memórias fugiam dela em momentos de estresse agudo, diluíam-se umas em cima das outras. Franziu a testa e passou a mão no próprio pescoço, como se a coleira de choque ainda estivesse ali.

E a canção? Que canção era aquela que Wanda murmurara no laboratório sujo da HYDRA, anos atrás? Bucky se lembrava. Ela não.

Shuri aproximou-se dela, mais para trás do grupo.

— Ei. — Ela falou baixo, sem alarmar o resto. — Você está bem? Digo, você a conhece, certo? Ororo Munroe, a Tempestade.

— Ah, sim... Eu só... — Tinha visto rumores sobre alguns feitos de estudantes do Instituto Xavier, mas eles pareciam discretos demais. Discretos o suficiente para pensar que havia dedo de um telepata ali, para abafar o que quer que tenha acontecido. Ela balançou a cabeça, pois o ponto principal da questão não era essa. Quantas vezes teria que afirmar que estava bem para realmente ficar bem? E a quem ela estava tentando enganar? — Eu não sei. Você acha que fiz progresso? Njeri acredita que sim, mas existem coisas que não passam de borrões pra mim e tem coisas que faço e eu não sei o porquê.

A princesa franziu os cenhos, tocando o ombro dela. Parou-a por um momento, incerta do que fazer.

— Você não tem que resolver sua vida inteira de uma vez. — Ela deu de ombros, como se constatasse o óbvio. — Ninguém faz isso. Veja, eu sou uma pessoa que se desligou da própria religião para não lidar com a morte e luto. E odeio ver o meu irmão se exibir para Ororo Munroe porque sinto que ele não fez o suficiente pelo nosso pai.

Wanda deu um passo para trás, a boca entreaberta.

— O quê...? O quê disse?

— Que ninguém faz isso, e para você continuar caminhando. — Inclinou o rosto, com a sobrancelha arqueada. A última vez que Maximoff tinha ficado assustada daquele jeito, tinha atravessado o tempo e o espaço. Hoje, o corte na mão dela não passava de uma cicatriz, no entanto a respiração dela estava curta, afobada. E Shuri nem tinha sido tão grossa agora.— O quê você acha que eu disse?

— Eu preciso voltar para o meu quarto. — Afirmou, os olhos ávidos por uma direção certa, uma saída segura, mesmo que Steve e Sam estivesse logo a frente curtindo o pôr-do-sol. Em resposta, Shuri segurou seu braço com mais firmeza. — Falo com Xavier depois, eu só preciso ficar sozinha. Me solta, por favor. Por favor.

A Feiticeira Escarlate fechou as pálpebras, inundada pelo terror do que aquilo significava. Shuri não dissera nada, mas Wanda entendera tudo. Tudo. Noves ainda brincavam em seus ouvidos, perturbando-a, assim como memórias esquecidas fisgavam-na para lados opostos. Seu estômago parecia se dissolver dentro do corpo, e talvez realmente estivesse, já que seu cérebro estava líquido.

Silêncio.

Depois de alguns minutos imaginando que entrara em outra alucinação, Wanda teve coragem de abrir os olhos. Havia algo errado. Geralmente, suas ilusões fritavam seus sentidos, deixando-a incrivelmente sensível e ao mesmo tempo inerte, entretanto o silêncio era claro, da melhor forma que a ausência de som poderia ser iluminada.

Por quê pensava tantas coisas sem sentido?

Estava parada, a pressão dos dedos de Shuri mais leves sobre seus braços e a face da princesa completamente imóvel. Wanda levantou o olhar e encarou o resto do grupo, as folhagens do jardim e os funcionários do palácio. Só o vento se movimentava, até que o som da cadeira de rodas revelou professor Xavier aproximando-se.

VaziosOnde histórias criam vida. Descubra agora