LXVII

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Devido a diferença de fuso horário, Wanda apareceu em Varsóvia durante a madrugada. Não sentiu medo, pois a cidade tinha uma taxa de criminalidade baixa e uma bruxa como ela poderia lidar com facilidade um bandido qualquer - ainda mais agora, que estava com as energias recarregadas. Seria mais cuidadosa, também. Ela andou de forma calma, sentindo o frio e o som de seus pés contra o chão daquela cidade, justamente no bairro famoso por ser uma réplica do que era antes da Segunda Guerra: a Cidade Velha. Era uma das muitas partes históricas de Varsóvia, embora quase tudo tenha sido destruído mais de uma vez. Sua insônia, naquele instante, era certa. Caminhava numa cidade que se ergueu das cinzas, murmurando partes que recordava daquela canção polonesa, a música de ninar cantada por seu pai.

Sua garganta se apertava ao imaginar coisas que ocorreram ali, coisas que talvez seu pai tenha presenciado. Seu pai de verdade, Erik Lensherr. Ele era judeu e vivo em 1940. Isso já dizia o suficiente.

Ela viu o Memorial do Levante, as estátuas de pessoas avançando. Resistindo. Tentou não chorar enquanto caminhava porque não queria acabar com o nariz congestionado e o rosto gélido naquela madrugada fria, mas foi difícil. Postes iluminavam as pedras e a arquitetura tradicional, formando uma viela. Ela lembrava-se de seu irmão. De sua crença, que muitas vezes largou e voltou por inúmeras razões. Lembrou-se de pessoas que existiram antes dela, que foram marcadas com estrelas amarelas e depois mortas.

Um turista comum preferiria ir de dia e com um clima agradável à qualquer um desses pontos, pagar o ingresso e ouvir mais sobre essa história. Talvez numa outra oportunidade Wanda fizesse isso, mas naquela madrugada preferiu o frio e o silêncio. O mundo lá fora, as lembranças da Feiticeira, a faziam pensar que ainda existiam pessoas ruins. Uma insanidade sem tamanho, tola e violenta, que tentaria fazer tudo aquilo de novo sob outras máscaras.

Pensou mais uma vez, olhou as marcas na cidade sobre o levante, os símbolos WP - Powstanie Warszawskie. Ela sabia o que significava, por mais que visse também as iniciais dela e de seu irmão ali. Wanda e Pietro. Em outros pontos de Varsóvia, ela sabia, havia o traçado no chão no lugar onde o muro do Gueto de judeus existiu. Memórias de que sempre haveria também resistência, pessoas dispostas a impedir tais loucuras de acontecerem novamente. "Nunca mais", ela disse suave, entendendo.

Terminou sua excursão particular num hotel simples. Não precisou de muita telepatia para convencer o balconista idoso, que já estava cansado e acreditava que Wanda era uma mera mochileira.

Acordou depois do meio-dia por conta da mudança de fuso horário e a sonolência que tal coisa trazia, o que a deixou um tanto desanimada. Tinha perdido o café da manhã do hotel. Mas logo deixou isso para trás e continuou as suas pesquisas pessoais sobre Erik Lensherr e sobre Magda, seus pais. Estudava também lições mágicas do livro púrpura de Agatha Harkness - pois a parte de transfiguração de objetos e aparência serviria bem para uma refugiada. Com o caderno aberto em sua cama e a mochila jogada no outro canto, Wanda suspirava ao tentar ligar os pontos daquela história e a magia. Ao fim, desceu as escadarias até o hall do hotel, que permitia que hóspedes usassem os computadores.

Seria muito mais simples perguntar tudo à ele, em Genosha. Wanda tinha a impressão que ele não mentiria, nem aumentaria os fatos. Seria honesto, quem sabe até muito sucinto. No entanto, a Feiticeira desejava descobrir a verdade por si própria. Magneto veio pronto como seu pai, aceitando esse fato estranho e abraçando-a como filha. Ela queria se preparar como filha dele.

Para sua sorte, o interesse geral do público por esse personagem - um mutante revolucionário do século passado - aumentou a níveis exorbitantes depois de Zurique, tanto é que existiam diversos artigos e revistas com esse tema desde aquela noite na conferência. No hall do hotel, onde podia usar computadores oferecidos aos mochileiros, ela pesquisou mais um pouco e anotou tudo o que era relevante numa linha do tempo em seu caderno. Muitos repórteres fizeram o trabalho de Wanda Maximoff em desvendar certos mistérios, tudo começando por seu nome. Não era Lehnsherr, o que condizia com o fato de Wanda não ter encontrado muitas informações com esse nome antes de Magneto se tornar um mutante notável, lá por 1960. Seu nome era Max Einsenhardt, filho de um relojoeiro conhecido numa pequena cidade da Alemanha, ao leste e na fronteira com a Polônia. Moraram em uma vila da Polônia até o nascimento de Max, pois a mãe dele - Edie - era de lá, e depois logo se mudaram para a Alemanha. O pai dele, e portanto avô de Wanda, se chamava Jakob Einsenhardt e foi também um soldado condecorado na Primeira Guerra.

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