XLIV

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Bucky tentou se lembrar como cozinhava em tempos de Guerra, para um grupo faminto perto das fronteiras. Era o responsável pela alimentação de forma recorrente, e não sofria de comentários desagradáveis da comida, em parte porque era inútil reclamar, parte porque não dava muita margem as reclamações. No entanto, tinha a sensação de que ficava menos tenso na época do que agora. Ele procurou enlatados na cozinha dos dormitórios do grupo, mas não encontrou algo interessante e não daria frutas fatiadas para Wanda, pois isso não contaria como preparar algo.

Ele esquentou o chá que estava pronto e procurou farinha. Pedaços da receita de panquecas começam a surgir na sua cabeça. Fazia tanto tempo que preparara aquela receita... Nem mesmo na Romênia, em dois anos, fez esse prato. Por que? Por um instante ele parou, os utensílios já em mãos, encarando o nada e ao mesmo tempo o seu passado. Recordou-se da neve. De garotas pequenas e uma missão. Suas bailarinas, perdidas com o instrutor americano no meio de uma nevasca. Ele cuidou delas, preparou comida para aquele grupo de meninas magrinhas e letais. Das meninas do Salão Vermelho.

Quase deixou os objetos em suas mãos caírem. Inspirou fundo. Esperava que Wanda tomasse banhos longos.

Quando ela voltou, a comida já estava pronta. Não eram as panquecas que ele queria fazer, mas havia um quê de orgulho em preparar simples torradas, ovos fritos com tomilho salpicado por cima, e pedaço de bacon que depois viria a descobrir que era propriedade de Sam Wilson. Felizmente, deu conta de organizar a bagunça que aprontara com a farinha e o leite e lavou toda a louça, embora não sem fazer barulho.

Ela se sentou no banco alto que dava para o granito preto e sorriu para o prato, murmurando um agradecimento. Ele assentiu em silêncio. Depois, ela lembrou-o que era judia e não comeria bacon, o que despertou um pouco de pânico por parte de Bucky. Tinha esquecido disso, mas ela só separou o bacon e disse que tudo bem.

Enquanto Wanda comia, Bucky aproveitava para também petiscar algumas coisas — como o bacon — e  não esqueceu-se de comer ameixas. Eram frutas recomendadas para questões de memória, algo que ele gostaria de manter em sua cabeça da maneira correta. Foi em uma das mordidas na fruta que notou que Wanda tinha uma estranha moeda na mão, e brincava com ela enquanto comia.

— O que é isso?

— Uma moeda. — Disse, recebendo apenas a sobrancelha erguida de Bucky como resposta. Era óbvio que era uma moeda, mas moedas comuns não tinham o símbolo de uma serpente mordendo a própria cauda e eles já tinham combinado de serem sinceros um com o outro. Então ela riu, mostrando que era uma piada tola e se pôs a explicar: — Eu quero aprender o truque da moeda, sabe? Aparecer e desaparecer. Pra depois conseguir fazer isso comigo mesma, e... Sumir.

— Você vai aparecer atrás da orelha de alguém?

— Espero que não. — Deu de ombros, tomando um gole de chá. — Quem sabe?

Bucky continuou observando a moeda por alguns instantes, a boca muda e uma dúzia de palavras que queriam romper tal silêncio. Ele sabia tal truque barato de ilusionismo, fazia parte de coisas que aprendera com seus compatriotas nos anos 40, para matar a tensão do ócio quando não estava matando ninguém na guerra. Até mesmo poderia demonstrar para Wanda, assim como dissera ao seus amigos que faria para se exibir para garotas, quando ele era ainda um rapazote e não tinha sido pego pela HYDRA. No entanto, hesitou com a boca aberta e por fim não mencionou a história. Não queria que ela aprendesse, pois não queria que ela desaparecesse.

Sentiu-se a pior pessoa do mundo.

— Acabou?

— Sim. — Ela limpou os lábios em um guardanapo de linho,logo em seguida juntou a xícara com o prato. Pegou também a louça que ele havia usado, apesar do começo de protestos da parte dele. — Quem cozinha não lava a louça. É a regra.

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