XXII

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— O que você está fazendo com a cabeça dele?

O corpo de Wanda congelou após poucos passos depois da porta. Ela a ouviu fechar sozinha, selando-a no Laboratório de Criogenia, junto a duas pessoas. Bucky, desacordado. Shuri, uma prancheta em mãos e o quadril encostado numa das mesas. Antes que tivesse tempo de processar a cena ou pudesse recuar, a wakandana virou seu torso em sua direção.

— Vir visitá-lo, tudo bem. Você e seu patético hábito de rondar por aí. — Ela deu de ombros e se aproximou, a voz arrastada. — Capitão Rogers, se é que ainda tenho a necessidade de chamá-lo de "capitão", vem aqui também. Mas o que diabos você anda fazendo, bruxa?

— Eu não...

Wanda sentiu o velho chamado caótico em sua garganta enquanto gaguejava. Sabia que mais um pouco, só mais um pouco, e haveria uma cena realmente escarlate ali, líquida, morna e cheirando a metal. Se Shuri a pressionasse novamente... A Feiticeira Escarlate sentiu sua pressão cair. Ela poderia parti-la ao meio só com a força do pensamento.

— Ele tem uma mente frágil e você sabe disso. Mesmo na criogenia tem atividade cerebral no tálamo, responsável por transmissão de informações sensoriais. — Ouvindo a si mesma, Shuri soltou um suspiro. Mesmo sem lançar mão de seus poderes telepáticos, Wanda podia saber que ela a achava ignorante o suficiente para não entender o que falava. E que, estranhamente, a princesa estava cansada. — Ele sente dor. E assim que você sai, o tálamo para e o lobo temporal do córtex entra em atividade. Ele lembra. Então eu vou perguntar uma última vez: O que você está fazendo?

— Eu não sei! — Wanda sentiu sua mão direita segurar a testa, num gesto instintivo. Não que isso pudesse impedir seu poder de transbordar do corpo, como tantas vezes transbordara. Será que havia sido assim antes, ao visitar Bucky? Um mero acaso de seu poder aceso? — Um dia eu estava simplesmente aqui e ele... E ele me mostrou coisas que eu deveria lembrar, mas não lembro. E coisas que eu não deveria ser capaz de saber.

Os olhos de Shuri estavam muito escuros naquela madrugada, despertos e rígidos como uma obsidiana. No entanto, algo a mais reluziu em suas pupilas dos que as luzes frias do laboratório, algo que fisgou a atenção da outra.

Os lábios da africana hesitaram.

— Você precisa passar por um médico de verdade.

Não. De novo não.

Seus dedos repousados na testa apertaram sua fronte, pois algo lutava para sair. Wanda poderia chamar aquilo de "caos" novamente, de "rugido escarlate", possessão demoníaca ou afinal dar um nome aquela eletricidade selvagem que lhe queimava de dentro pra fora, entretanto isso significaria que tal reação era algo à parte dela. Uma coisa amorfa, autônoma, magnânima e que a escravizava. Não era verdade.

O poder... A cor rubra. A ira. O fogo. Eram ela e só ela. E em alguns momentos entendia este fardo, em outros era pesado demais para aceitar. Seus pulmões moviam-se lentos por baixo da carne e dos ossos, ela sentiu cada átomo de seu duro suspiro.

A atmosfera tornou-se mais densa naquele cômodo, uma das luzes piscou.

— Não.

—Raciocine, Maximoff! Duas das mentes mais instáveis dentro de um laboratório, sem supervisão? Você sabe que isso vai dar errado.

Wanda inclinou o rosto. Sua mão soltou a testa.

— Mas você não acha.

Shuri piscou, a boca aberta. Houve silêncio e choque transpassou o austero coração da wakandana. Os olhos da garota a sua frente eram vermelhos, vermelhos feito o sangue que tirara de sua pele pálida em um golpe muito bem aplicado há dias. E então veio seu toque delicado e agourento, como se Wanda pudesse acariciar com seus dedos magros o seu cérebro. Shuri compreendeu que sentia o que a outra fazia porque ela permitiu que sim. Que sua cabeça parecia ser delicadamente tocada por uma mão fantasma.

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