LVII

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Os segundos em que sustentou o olhar de Erik Lensherr foram eternos.

Wanda estava um tanto distante e desorientada, mas não foram apenas os poderes magnéticos dele que a atraíram. Não, não seria algo tão óbvio e tolo. Ela sentia os olhos dele fervendo sobre si, enxergava sua ira carmesim transbordar todo o seu corpo e tingir o ambiente com sua cor viva. E aquele mesmo impulso caótico em si correspondia o olhar em reconhecimento, como se fogo tivesse consciência e pudesse reconhecer outro incêndio. Então ela abriu um pouco os lábios, tantos eram os pensamentos que lhe rodopiavam a cabeça. Eles não eram tão diferentes. A religião, mutação, a cor, a violência. Ali, entre os Vingadores e os Mata-Capas, com suas vestes escarlates gastas e queimadas, Magneto era um estranho reflexo de um futuro onde Wanda Maximoff perdera todos os limites e jurara vingança absoluta. Estava claro naquele instante que fora ele que jogou o helicóptero em cima do jipe com canhão, ainda que não fosse claro exatamente o porquê. Seria para protegê-los? Mas que laços existiam para tamanho sentimento? Wanda ao menos podia se identificar com essa atitude, pois era capaz de todos os males para defender quem amava. Isso significava que....? A hipótese era incompleta em sua cabeça, mas uma coisa era certa: Ela podia estar em seu lugar e era por conta disso que a Feiticeira o compreendia tanto. Como por magia ou mal agouro, a voz de Agatha Harkness crocitou em sua memória:

"Eu sinto laços de sangue."

Imaginou se aqueles segundos foram intermináveis para ele também. Imaginou se pensava no que ela pensava quando cruzavam o olhar, nas possibilidades que deveriam ser... Impossíveis. E imaginou se a verdade seria tão terrível quanto cogitava.

Foi nesse momento que Magneto quebrou o contato visual com Wanda e se virou aos Mata-Capas, sentenciando-os com dura voz: "Nunca mais."

Ele ergueu as mãos num gesto suave. Tudo o que tinha componentes ferromagnéticos começou a tremer, incluindo as armas dos soldados e equipamentos acoplados em suas vestes. Até mesmo Caledônia, antes descrita brevemente como guerreira espadachim, foi paralisada por conta de sua armadura de metal, mesmo que estivesse a uma distância relativa dali. Isso deu tempo para Psylocke finalmente parar de lutar. Ela sentou-se na calçada, ferida e suada, e observou o espetáculo ao seu redor com um sorriso.

A lataria dos jipes chacoalhava e se entortava, os postes dobraram-se em mais de um ponto. O capacete de Paladino pressionou lentamente seu crânio e arrancava gemidos doloridos do mercenário, enquanto Silver Sable era sufocada pelo pingente discreto que usava no pescoço, sob o sobretudo branco. Acontecia tudo muito rápido para que os Vingadores pudessem reagir e mesmo assim existia hesitação. Como contrariar tamanho poder? Steve deu mais um passo a frente, chamando o primeiro nome dele numa tentativa vaga de captar sua atenção e interromper o horror. Ele não parou.

A coruja branca, que havia tentado impedir Paladino de atirar, metamorfoseou-se em um lobo cinzento e tomou velocidade na direção do mutante, já arreganhando os dentes numa posição de ataque. Magneto fez com que uma placa de trânsito voasse contra o animal. Em segundos, o canídeo tornou-se uma lebre alva e desviou, próxima o suficiente para aumentar seu tamanho de novo. Ganhou a forma e a força de um imenso urso polar, com a pata em riste para arrancar o capacete de sua cabeça, mas em resposta o cabo da mesma placa de trânsito tomou a direção contrária com apenas um comando dele e prensou o pescoço da fera no asfalto. O urso enfim tomou uma forma humana, de uma mulher loira e vestida de azul e branco. Isso despertou a atenção do mutante, porém não fez com que sentisse remorso. Pressionou ainda mais.

— Erik! — Steve repetiu, mais urgente e mais alto.

— Eles também iriam matá-los com o canhão. Não sinto pena.

— Eles já estão no chão, indefesos. Você não precisa fazer isso. Não é justiça. Pare!

As reverberações magnéticas cessaram. Paladino tirou o capacete da cabeça e ficou somente com seu visor de lentes roxas, quase chorando de dor enquanto xingava. Silver se apoiou no capô de um jipe próximo para tossir e recuperar o ar, com a pele avermelhada assim como a mulher metamorfa no chão, segurando o cabo da placa de trânsito agora com folga. Lá atrás, a guerreira com espada e armadura também respirava melhor depois que a pressão sobre sua carne se desfizera. Os soldados tremeram de alívio.

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