— Cuide de Agneta. Está se focando mais no alvo do que em si. Tem que equilibrar isso. Malhe esses braços. – Deu leves batidinhas nos deltoides dela, cobertos por um casaco verde. – E não, eu não vou te dar um arco moderno. Primeiro tem que domar um arco de verdade, sem trava, sem mira. Eu sei que não pediu nada, mas você está fazendo aquela sua cara de novo.
Wanda enterrou mais seu rosto no abraço dele, por mais que metade de sua mente lhe sussurrasse que tal ato era ridículo e típico de uma pré-adolescente. Clint a abraçou de volta, disse algo engraçado que ela não entendeu, mas riu do mesmo jeito. Ignorou os sibilos venenosos, cada vez mais insistentes, cada vez mais altos da sua própria cabeça. Em troca, veio uma voz mais serena, dizendo que tudo bem. Ela podia sim abraçá-lo, por mais que o contato fizesse seu olho roxo e seu ferimento acima da sobrancelha arder. Por mais que o abraço parecesse, e fosse de fato, desesperado, pois o privilégio da despedida lhe fora negada duas vezes.
A primeira, aos dez anos, durante o jantar. Mamãe e papai.
A segunda há dois anos.
Dois anos.
Dois.
E a jovem não permitiria que lhe fosse negada a terceira.
— Diga a Nat que sinto falta dela.
Ele soltou um bafejo enquanto afastava-se.
Tinham conversado um pouco sobre a Viúva Negra, ainda no quarto de Wanda, antes que ela afinal caísse no sono até por volta das quatro horas da tarde. O agente Barton comia mais barras de cereais enquanto divagava sobre modelos de arcos e a aerodinâmica das flechas; sobre o treino atrasado de Wanda e a reforma que fazia em casa, na sala de jantar, até que comentou sobre a parceira. A jovem, deitada na cama e bebericando chá, quase dormia; mas ouvir o nome da Vingadora lhe fez derrubar o conteúdo quente da caneca em si mesma.
O coração martelou sangue e pânico dentro de seu tórax. Ela sentia as veias dilatando, a adrenalina preenchendo seu corpo.
Algo saiu de si, invisível aos olhos tão atentos de Clint. Algo fluía de Wanda.
— Estão de olho nela. – Ele disse, sem notar uma pequena corrente elétrica sair dos dedos da feiticeira. Sua garganta apertou-se, apertou-se tanto quanto aquela coleira há seis meses fizera. Wanda mal conseguia respirar. — Natasha tem implantado pistas falsas sobre o nosso paradeiro, mas Stark não é ingênuo. Não sabemos por quanto tempo ainda fará vista grossa.
— O que acha que vão fazer com ela?
— Nada. A única testemunha que poderia dizer que ela está do nosso lado é o T'challa. E acho que a palavra dele é uma resposta boa suficiente para a 117 países e Tony Stark.
Tony Stark e mais 117 países concordaram com a camisa de força e a coleira elétrica, numa prisão solitária no meio do oceano turbulento. A respiração acelerada de Wanda chamou atenção de Clint.
A expressão dele suavizou-se.
— A pergunta é: O que mais a Viúva Negra vai fazer com eles? — A pausa pairou no ar. Não haviam mais dúvidas, apenas lembranças de quem Natasha Romanoff era e do que ela era capaz. Wanda assegurou a si mesma de que não deveria temer pela... Amiga? – Agora, eu já te contei como Budapeste é nessa época do ano?
A jovem sorriu com a rápida lembrança da história.
— Por favor, Wanda. Ela sabe que faz falta. Não vamos aumentar o ego dela.
— Certo.
Steve e Sam aproximaram-se dos dois na pista de decolagem, trocando um apertos de mão respeitosos com Clint.
— T'challa dispôs todos os recursos necessários em nossas mãos. – A figura do Capitão América cobriu a visão de Wanda, que não sabia dizer se era somente impressão sua por causa do olho inchado ou se era a responsabilidade deixando Steve maior. Stevie. Já fora tão pequeno quanto ela própria sentia ser. Diminuto e frágil. Mas a voz dele, convicta, não era a fruto de um soro dos anos quarenta. O que lhe dava tanta firmeza? O que continuava a lhe dar forças? – Já escolheu a escala?
— Sim. Posso comprar bons souvenires pra minha esposa. – Deu de ombros. – Acho que devo isso a Laura.
— Ótimo. – Steve soltou um sorriso breve. – Espero que consiga tirar suas férias em família.
— E eu espero que ninguém faça nenhuma bobagem enquanto eu estiver fora. – Encarou Wanda, indicando seus ferimentos com o queixo. – Não pense que não vi isso, bruxinha. Você está horrível com esse olho inchado. Jogou todo o meu treinamento fora.
Sam gargalhou, para o bem da despedida dos quatro: Uma risada nervosa e que durou pouco mais do que a situação pedia. Em seguida, acrescentou uma tossida forçada.
— Clint Barton sempre diz a coisa certa.
— Pode-se dizer que eu sempre acerto o alvo. – Ele se agachou para pegar uma mala leve e curta, praticamente esportiva. Não dava para supor se levava pouca coisa para ser mais discreto ou se a distância de seu objetivo era mínima, no entanto não fazia diferença. Quanto menos soubessem o destino dele, melhor seria para todos. – Droga, estou velho pra essa merda.
Steve alternou o olhar entre ele e Wanda, como se não acreditasse no que tinha ouvido.
— Clint!
— Eu sei, eu sei. "Olha a língua." – As botas dele já alcançavam o jato, semelhante ao Quinjet, porém mais curvilíneo e elegante feito uma pantera; poderosa o suficiente para aprender a voar. Apenas uma amostra do Wakanda podia fazer, e o agente Barton já sentia saudades por antecipação do veículo, quando fosse deixá-lo para seguir o restante da rota. – Mas não fui eu quem falei que "Clint Barton sempre diz a coisa certa".
— Mais respeito, Barton.
O mais velho do grupo os agraciou com outro de seus infinitos olhares indiferentes, sob o pôr do sol cálido no horizonte.
— Vou mandar cartões no Natal. – O som das turbinas abafou a voz dele e logo a rampa de metal selaria a imagem de Gavião. Chegara a hora de partir. – E não quero ser incomodado com nenhum velório.
– Alguma outra ordem?
— Só finjam que não são uns babacas suicidas.
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Vazios
FanfictionHá um vazio latente em Wanda. Um vazio que cresce e devora, sussurra e rosna. Grande, feroz. Vermelho e sanguinário. Um vazio que era apenas uma pequena flama, mas que ao longo dos anos, incendiou-se feito uma tormenta de fogo. Wanda o sente. Sente...