XIV

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Wanda acordou um bocejo folgado, manhoso. Esfregou os olhos com as costas da mão feito uma criança, logo depois percebeu que se sentia muito bem para as poucas horas que dormira. Sorriu. Bocejou mais uma vez, esticando os braços no sofá.

Sam e Steve ainda estavam na sala, também jogados nas poltronas opostas, em posições desconfortáveis e completamente adoráveis. Eles haviam comido, se divertido, trocado os presentes. Chegaram até a ir na sala de criogenia, fazendo barulho demais para aquela hora da noite, e Sam quis riscar um monóculo e um bigode no vidro da câmara de Bucky com uma caneta permanente. Os dois tomaram gemada com conhaque, Sam um pouco mais do que seu parceiro, de modo que seu sorriso radiante também estava ligeiramente mais afetado, rosado. Wanda não tomara, pois não se sentia confortável ainda com álcool. Não fazia tanto tempo assim que deixara de tomar remédios no combate à sua melancolia e o costume de evitar bebidas ainda era latente. Talvez ela devesse voltar a tomar.
Sam, é claro, foi impedido por Steve, pois além de jamais permitir uma asneira em plena Wakanda, seu metabolismo não permitiu ficar ébrio o suficiente para concordar com a ideia.

Wanda, naquela altura da madrugada, entregara o caderno de desenhos para Steve. Era pequeno o suficiente para levar no bolso, com folhas grossas e lisas para qualquer tipo de caneta ou lápis. Ele se tornara azul celeste de imediato, transbordando luz dos olhos.

"Faz tempo que não desenho. Uma vida inteira... Obrigado, por me fazer lembrar disso."

Ela assentiu com a cabeça, sem distinguir se ele se referia à memória que lhe dera de Bucky há poucas horas ou o presente simples que colocara em suas mãos. Mas ficara aliviada pela gratidão e por ter feito algo certo, ao menos daquela vez.
Também dera um presente Sam, um óculos de sol redondo e elegante. Ele disse:

"Eu nem parei para pensar porque isso estava na sua lista de compras, mas droga! Ainda bem que tenho bom gosto."

Wanda colocou os pés no chão, sentindo a maciez do tapete pelo tecido das meias. Parecia criança outra vez, acordando quando o mundo ainda dormia após uma noite de celebração, ou no caso, uma celebração secreta entre três – quatro? – amigos refugiados numa terra distante, um idílio longe da violência. Os wakandanos não comemoravam o Natal por não serem cristãos, mas até aí Wanda também não era. Ela não tinha certeza do que ainda era ou o que deixava de ser. De qualquer maneira, o clima de final de ano era inegável: revigorante, melancólico, de fim e começo. Recomeço?

De súbito veio a imagem de James adormecido. Era uma pena que não pudesse desfrutar de fortuitos momentos de descontração com Steve e Sam, que não sorrisse como deveria ou que não sonhasse sonhos doces como merecia.

Não entregara nada à Bucky, e de repente quis ter se preparado antes para lhe dar uma bengala de açúcar branca e vermelha. Bucky não respondeu nada na presença de Steve e Sam, o que a lhe deixou esperando por respostas, por outras visões de seus olhos cheios de angústia e passado. Bom, ela teria isso em mente para o ano seguinte e poderia trazer quantos doces fossem necessários para despertar o melhor amigo de Stevie só pelo poder do açúcar.

Seus lábios pararam de sorrir.

Será que haveria outro ano? Para ela ou para ele? Para o mundo em que viviam, que não os deixavam existir?

Fachos de luz entravam pelas frestas das persianas brancas e tingiam todo o cômodo de laranja do amanhecer, sem oferecer respostas. Ela contemplou o silêncio e o questionamento de seu amanhã, sempre tão perto e incerto.

Seu andar foi silencioso. Tinha equilíbrio e serenidade nos pés ao caminhar para fora da sala, em direção à mesa sempre farta. Havia uma pequena cozinha, discreta com a mesa de jantar de pedra negra reluzente, de quartzo, e uma fruteira constantemente cheia. Os serventes passavam ali ao menos uma vez por semana, reabastecendo em grãos, frutas e outras regalias que somente convidados especiais de um rei deveriam receber, não refugiados de uma batalha estranha entre um punhado de pessoas super-aprimoradas e políticas internacionais.

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