XXIII

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Ela não disse nada a princípio.

E então, em meio a quietude, abriu um sorriso tolo. Aquilo não era uma conversa e a única pessoa consciente naquele laboratório era ela, ninguém mais. Havia máquinas, vidro e ele, James Barnes. Ali, parado, como se esperasse e pudesse compreender o que a feiticeira sentia, mas não havia o que ou quem esperar. Estava dormindo, em um estranho e etéreo coma induzido.

Aquilo não era uma conversa, repetiu em sua cabeça, e ela enxergou a própria estupidez por achar que fosse. Seu sorriso sumiu, mas ainda assim não houve palavras. Foi quando lágrimas quentes responderam por si.

Wanda deveria ir embora, deixar o pobre soldado descansar. Sabia o quanto aquele homem precisava disto, o quanto precisava de paz.

E o quanto ela também precisava.

A maré daquele sentimento insosso corroeu seus ossos. E era tão simples, tão pesado. Insustentável. Wanda Maximoff só queria fazer coisas boas e acabava por fazer somente o contrário. Estava plenamente ciente da violência do próprio coração, porém, ainda assim, talvez ela pudesse... Se tentasse o suficiente...

Mas Pietro morreu. Outras pessoas morreram. Havia certo medo em seus amigos. Em todos. Porque Wanda Maximoff era um pequeno monstro nascido em Sokovia e jamais deixaria de sê-lo.

Ela abriu os olhos, sentindo a aura do ambiente mudar. Pensou que talvez já fosse um pouco tarde e os cientistas estivessem chegando, mas o laboratório em que estava agora tinha luzes incandescentes fracas e o chão escuro. Sua garganta apertou-se, congelada. Deu um passo para trás, trombou em uma mesa e caiu sentada no chão. O tilintar de objetos metálicos perturbou seus tímpanos, tal qual pensamentos zuniram dentro de si.

Não. Não, não, não, não. Não pode ser.

Eletricidade percorreu seu corpo da cabeça aos pés, mas aquilo era uma dor fantasma, ilusória e terrível assim como o laboratório úmido e de ar fétido. Não era o mesmo perto de Novi Grad, aquele em que ela e seu irmão tornaram-se os ratos que tanto escutaram dizer que eram. Não era sequer a mesma década e a certeza com que afirmava aquilo lhe provocou ânsia.

Será que...?

Pelo o que tinha compreendido nas visitas anteriores, a conexão que os poderes caóticos de Wanda estabeleciam não era originados a partir de uma palavra-chave, mas sim por um sentimento em comum. Não era intenção sua voltar a mexer na cabeça dele, principalmente hoje e agora que a princesa de Wakanda havia lhe alertado dos perigos de brincar com uma mente fragmentada.
Ela olhou para os lados, com receio e curiosidade. A cor rubra acendia-se dentro de si, enquanto perguntava-se qual sentimento seria esse que abrira novamente uma janela para James Barnes.

Antes estava se sentindo miserável, infeliz e cheia de arrependimentos. Não eram coisas agradáveis para se partilhar, no entanto houve um quê de empatia que aqueceu seu coração. Ele sabia o que era ser tudo aquilo.

Um mal, quando se queria fazer o bem.

Um grito rasgou o ambiente. Os olhos arregalados de Wanda tentaram focalizar a origem do som, entretanto as lâmpadas amareladas pouco iluminavam o cômodo. Existiam silhuetas escuras e indistintas, de modo que as mãos dela foram de encontro com os objetos caídos no chão, procurando algo que servisse de arma ou defesa. Uma possibilidade de escapatória. Seus dedos encontraram um bisturi, mas antes o bisturi encontrou sua carne. Sua mão direita sangrava pelo corte enquanto ela apertava o cabo com força.

O instinto dizia para correr e tal ato parecia impossível, embora toda a situação não passasse de um delírio, certo? Certo? Outra memória de Bucky e ela não seria mais do que um espectro. Mas, por que sentia dor e sangrava?

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