LXXI

553 50 59
                                    

0 9 / 0 3 / 2 0 1 7

Existiam dias em que simplesmente era mais difícil levantar, fazer as coisas. Hoje, seu aniversário, era um daqueles. Wanda queria pulá-lo, na verdade. Esquecer. E sabia que Bucky não a julgaria por isso, o que fazia das coisas um pouco mais fáceis naquele ano. Abriu os olhos muito lentamente, consciente do peso do cobertor sobre si e a dor no pescoço por ter dormido sentada. Passou a mão na nuca, encarou o nada por alguns segundos. Sentiu cheiro de alguma coisa doce. Ebony pulou em sua colo, de repente. Debochou de seu cabelo bagunçado, perguntou se sonhou algo premonitório e reclamou que James ainda não tinha dado nenhum chocolate à ele. Ela chegou a imaginar se ele não dava nada ao gato por prezar por sua saúde ou então por simplesmente não querer dividir suas guloseimas com o felino, seu desafeto declarado.

Wanda cruzou o olhar com Bucky, que estava atrás da bancada na cozinha com um pano de prato sobre o ombro e uma frigideira na outra mão.

— Bom dia, boneca.

Ela assentiu, um pouco zonza ainda para responder qualquer coisa. Como não disse nada, o soldado continuou a conversa. Não tinha se importado com o silêncio, isso ela pôde ver na sua expressão. Wanda só não conseguia distinguir se ele sabia que dia era aquele, se sabia se... Era seu aniversário. No entanto, não queria perguntar, nem desejava jogar isso na conversa. As duas alternativas, de qualquer modo, a faziam se sentir idiota.

— Temos panquecas. Comprei geleia de mirtilos também.

— Ah. — Recordou-se de uma conversa ainda em Wakanda. — Sua fruta favorita.

Ele sorriu de lado, mas logo voltou sua atenção a frigideira. Colocou o braço esquerdo atrás das costas numa pose de falsa formalidade e com a direita deu um impulso com o punho, fazendo a panqueca saltar da panela, dando giro antes de cair de volta.

— O que são as cartas de Remy LeBeau perto disso, huh? — Repetiu o gesto. — Sem falar que fui eu que te ensinei o truque barato da moeda.

— Já podem viver como artistas de rua na praça. — Ebony comentou.

— De fato. Um gato falante vai nos render boas gorjetas.

Wanda sacudiu a cabeça, sorrindo. Queria que seu irmão estivesse ali para segurar sua mão, dar pitacos engraçadas e inconvenientes na conversa. Ele amaria o gato. Fingiria odiar Bucky. Ficaria louco da vida com essa viagem repentina. Seu sorriso diminuiu, pois ele não estava ali.

— Bom, — Bucky colocou o prato com ao menos três panquecas e uma quantidade considerável de geleia sobre a bancada. — Vai ficar com fome se sairmos para procurar a tal Loja de Bruxa sem comer nada. Mas entendo se, você sabe, querer ficar aqui mais um pouco. Essa chuva não dá vontade de sair.

Olhou para a janela. O clima era cinzento, porém a chuva não passava de uma garoa. Não impediria ninguém de sair na rua e até mesmo dava a entender que era passageira, diferente da tempestade da noite anterior. Era uma forma delicada de dizer que ele enxergava suas olheiras e seu desânimo, e que estava tudo bem.

Mas ele estava tentando, em meio a tanta loucura. E não era isso que ele vinha fazendo desde que se libertou da HYDRA? Tentando fazer algo diferente. Viver. E ela achou que deveria tentar naquele dia também, mesmo que apenas um pouquinho.

— Eu só vou, hã... Pentear o cabelo. — Levantou-se. — Já volto.

A primeira parada foi o Ateneu. Era uma casa de concertos e óperas, uma construção neoclássica com um largo jardim na frente. Wanda estava satisfeita por apenas admirar as colunas do lado de fora, pois supunha que era mais dos pontos turísticos que era necessário agendar visitas para ver o seu interior, no entanto foi levada por Bucky numa caminhada até uma entrada lateral. Ele parecia saber o que estava fazendo e talvez aquele rumo fosse comum quando ainda morava no seu apartamento, fosse lá a razão. Bucky não havia comentado muito sobre o que costumava fazer para conhecer tão bem o Ateneu, apenas disse que o lugar era bonito no inverno e que a acústica de boa, o que a fez divagar mais uma vez sobre sua vida solitária em Bucareste. Ele disse que não tinha um cachorro. Será que assistia a ópera? A entrada lateral acabou numa porta que não tinha nenhum aviso ou orientação para a visitantes.

VaziosOnde histórias criam vida. Descubra agora