"Vagão de Carga"
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Sonolência e dor tornavam as delicadas pálpebras de Wanda cada mais pesadas; seus cílios pareciam acorrentados a grilhões de chumbo. Piscou demoradamente, embalada em fadiga. Franziu a expressão, sentindo a brisa saudar seu rosto jovem e abatido.
Não sabia dizer quantas vezes as árvores e as pedras de Wakanda haviam testemunhado sua figura triste a encarar um ponto vazio no horizonte, ou se a natureza em si já percebera o estado de seu coração e, talvez em razão disso, lhe mandava sopros mornos e gentis. Ergueu um pouco mais o queixo, em direção ao Leste.
O nascer do Sol estava lindo.
No pouco que dormira, sob efeitos de anestésicos administrados por uma preocupada Njeri em seu quarto, fora visitada por imagens diversas, desconexas e de fina crueldade.
Pesadelos.
Reflexos das tormentas que rufavam dentro de si, desabrochando em terríveis flores. Sim, à despeito da estação em que se encontravam neste final de ano, dentro de seu peito florescia uma primavera de espinhos e tempestades.
Pensara ter saído desta fase, mas sempre voltava à ela.Com um suspiro, ela pegou uma caneca que trouxera antes, bem antes. O líquido jazia frio e já no final, descendo insosso em sua garganta. Apoiou a porcelana no prato, o som desse pequeno gesto sendo o único retinido no ar. Por fim, passou a mão na testa, na parte inchada e arroxeada de sua face, em sua sobrancelha esquerda. Agora, assim como a maioria das manhãs, o Sol dissipava os pesadelos e aquelas terríveis flores não passavam de pétalas murchas.
Mas...
Ventava. E o vento rodopiava essas pétalas.
A madrugada não fora somente branca e azul, morna e cheia como muitas madrugadas eram até que Wanda sentisse a ausência de tudo isso. Esta madrugada também fora vermelha e preta, além de gélida. Lembrou-se de ter visto galhos escuros, recobertos por gelo, em contraste com o fundo inteiro de neve. Os acordes de piano eram fracos, mas estavam ali, vivos como uma fraca pulsação. Seus olhos transbordando carmesim assistiram garotas trajando vestes pesadas e coturnos.
Uma ruiva. Uma loira.
"Yelena."
"Natalia.Vá."
E então mais nada.
Ligara a televisão em seu quarto, mesmo sem entender wakandano. Trocou de canais, cansou-se da luz artificial das imagens. Não lembrava de Stevie ter dito que Natasha ia ao comitê em Veneza, mas talvez ela fosse. Talvez algo tivesse dado errado. Céus, Stevie e Sam estavam lá. Precisava saber de algo. Passou ao menos um hora em frente á tela, procurando o rosto de falsa inocência de Nat. Primeiro, Natasha Romanoff revelara todos os segredos da SHIELD e da HIDRA na web, desnudando arquivos sujos e fragmentos do passado que ninguém queria enxergar. Governos foram rápidos em banir certas informações, embora outras já circulassem até por boca a boca. Depois, ela anuiu com o Tratado de Sokovia.
Era uma elaborada teia, embora imprevisível a outros olhos além dos azuis da Viúva Negra. Mas, o que essa trama queria tanto capturar?
Redenção?
Honra?
Paz?
.
.
.
.
Yelena?
— Veio cedo.
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Vazios
FanfictionHá um vazio latente em Wanda. Um vazio que cresce e devora, sussurra e rosna. Grande, feroz. Vermelho e sanguinário. Um vazio que era apenas uma pequena flama, mas que ao longo dos anos, incendiou-se feito uma tormenta de fogo. Wanda o sente. Sente...