Nigredo

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N i g r e d o

— Sinta-se em casa. — Ebony disse, saltando para o balcão em meia lua virado de frente para a porta. Passou a conferir algo num grosso livro, que virava suas páginas sozinho assim que o gato terminava de ler. Atrás dele e penduradas na parede, duas imensas serpentes de ferro comiam a cauda da outra numa representação estilizada da Ouroboros, e no meio um imenso olho a julgava.

Era difícil para Wanda "sentir-se em casa" quando "casa" e "lar" frequentemente significavam certas pessoas e justamente havia se afastado de uma delas, mas não quis tornar as coisas mais pesadas do que já eram. Com a mochila em um de seus ombros e o gato anfitrião entretido com outra tarefa, ela aproveitou para dar uma boa conferida ao seu redor. Isso a faria pensar menos no próprio aperto no coração e nos olhos marejados de James Barnes. Deu um par de passos tímidos pelo tapete sinuoso que dava para o balcão.

A verdade é que... A Feiticeira Escarlate esperava outra coisa. O ambiente era claro, até mesmo espaçoso, ao contrário do estereótipo de escuridão e objetos abarrotados de lojas de bruxa, como ervas, velas, itens estranhos e talvez vassouras penduradas. Bem, existiam realmente tais coisas ali, mas tudo era organizado de maneira meticulosa em prateleiras brancas e abauladas à esquerda e à direita. As paredes exibiam um tom agradável de lilás e, em cada lado da porta de entrada havia uma vitrine de tamanho médio, tal qual uma janela com grades requintadas. O vidro, porém, emoldurava a clareira de uma floresta.

— Eu não me lembro de ter visto janelas quando estava do lado de fora.

— É porque você não precisava de janelas, e sim de uma porta.

Wanda se viu obrigada a ignorar o absurdo da frase, porém o felino entendeu sua irritação e se pôs a explicar:

— As vitrines surgem quando alguém do lado precisa de algo que a loja pode oferecer. São mágicas, assim como essa loja inteira, que some e aparece. Do lado de dentro, as janelas são o sinal de que algum cliente vai entrar, do contrário Agatha as deixa em cenários interessantes, tipo... O deserto ou o mar. Hoje é um bosque. Lembra-se do que eu disse sobre janelas de Sanctum?

— Oh. É bem... Sereno. Mas ainda não sei o que é um Sanctum.

O gato não lhe deu tanta atenção, de modo que ela continuou a encarar as estantes. As velas eram ordenadas por cores, tamanhos e formatos, assim como as garrafas do outro lado e vidros engraçados de destilação, alquimia. Seriam poções? Poções de verdade? Ela atravessou o recinto para conferir, mas foi distraída por uma estante redonda, da altura de seu quadril. Era fechada por vidro e ali dentro havia ossos.

— Isso... Isso é um crânio de algum animal?

O suspiro de Ebony ecoou na loja inteira.

— Nesta casa nós não discriminamos necromancia. Nem magia de sangue, embora me dê um pouco de náusea. Enfim, acabei de ver aqui no registro de Agatha e não tem ninguém marcado pra hoje. — O livro se fechou com um baque. — Podemos pegar a lua cheia. Vamos, venha cá.

Ela obedeceu, perguntando-se o que aquelas palavras significavam e perguntando-se também o significado de uma miríade de objetos, como as elegantes gaiolas penduradas ao lado e um poleiro no topo. Será que além de um gato preto, Agatha também tinha corvos ou corujas?

— Por que estão vazias?

— Elas não estão vazias. Mas não recomendo mexer em espíritos engaiolados, eles podem ser imprevisíveis.

— Que ótimo.

Não ficaria entediada lá.

— Bom, à esquerda existe a porta crescente. — O gato indicou a direção com a cauda, num gesto suave. — À direita tem a porta minguante. Você pode diferenciar pelas maçanetas, mas no fim as duas levam à uma mesma sala em que Agatha atende alguns clientes.

VaziosOnde histórias criam vida. Descubra agora