Pech'

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"Fornalha"

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"Uma aranha subiu pela parede..."

A alvura da neve e o preto dos troncos sem folhas compunham uma imagem que poderia ser uma fotografia melancólica se não existissem duas figuras transitando pela trilha da floresta, rápidas e quietas. Seus pés pequeninos mal deixavam rastro, pois foram treinadas para a elegância tanto na neve quanto nos palcos, mas o silêncio das duas não fazia jus às marteladas de seus corações. As árvores pareciam observá-las com seus galhos secos, tentando tocá-las para ter certeza de que eram reais. Vez ou outra a menor murmurava o nome da menina que guiava o caminho, dizendo para a quietude: "Yelena, Yelena".

A loira não respondia, apenas virava seu torso e fazia um gesto nervoso, embora delicado, com a mão enluvada, precisando que a ruiva fosse mais rápida. Já estavam longe, mas não o suficiente. Talvez nunca estivessem. Ainda era possível enxergar o Salão Vermelho através dos galhos e desníveis do terreno e Yelena temia que eles enviassem suas compatriotas para uma missão de busca, ou melhor, de captura. Seria melhor que soltassem os cães.

A oportunidade fuga fora calculada por meses. Seria numa troca de turnos da vigia, em um dia que as monitoras e mestras estivessem ocupadas com os detalhes do Lago dos Cisnes ou com a formatura das mais velhas. Yelena tremia toda vez que pensava na celebração, cada vez mais perto.
Ao pensar nisso, sua atenção foi roubada e ela caiu, arranhando o braço e o rosto. Ela rangeu os dentes, mas não gritou, não gemeu. Seus pés, tão feridos pelas sapatilhas de bailarina, já estavam amortecidos pela temperatura cada vez mais baixa, enquanto suas mãos tinham os dedos entorpecidos dentro da luva, machucados por ter arrebentado o arame farpado da grade antes de saírem.
Natalia não a ajudou. Permaneceu parada ali, seu rosto inexpressivo e salpicado por flocos de neve, o cabelo ruivo escapando da touca em contraste com as cores do cenário. Mas o olhar indiferente de Natalia não era a própria indiferença ou até mesmo desprezo, pois sabia que assim como ela, a mais velha poderia se levantar sozinha. Foi o que fez, sangue escorrendo do nariz. Não deveriam esperar auxílio de ninguém e realmente não esperavam. Tentou lembrar-se do trajeto de fuga, planejado através de mapas desenhados porcamente à mão e trechos de conversas entre os superiores que escutara às escondidas, dizendo sempre qual caminho era mais difícil e qual vilarejo era mais amigável ou não.

Nenhum as hospedaria em casa, isso era fato. Mas podiam abrigar-se em algum celeiro, em algum depósito de fábrica qualquer, que talvez por sorte tivesse com fornalhas ainda em brasa para se aquecerem.

Yelena preocupava-se com a demora. Tinham escolhido as melhores roupas que podiam para atravessar o terreno ora pesado, ora escorregadio, mas nunca há o suficiente para o Inverno, mesmo com casacos e botas militares. Tudo era uma questão de tempo e a neve não poupava sinais para que soubessem que não eram bem-vindas ali. Ninguém era bem-vindo para aquela estação que tudo devora e consome, que morde com o vento e assola com o frio.
Sentir sono era ilusório. Ter a sensação de aconchego era um convite sublime para a morte. As extremidades tornavam-se cada vez mais frias e Yelena temia que Natalia, sendo menor, se exaurisse mais rápido.

Não havia razão de trazê-la consigo. Seria até mesmo mais seguro ir sozinha.

Mas...

Yelena lançou outro olhar pelos ombros enquanto avançava, vendo se a outra a acompanhava. Sim, ela estava ali, as mãos encostadas nos troncos e ligeiramente agachada. Satisfeita, virou-se para frente, já enxergando o lago.

Ela sabia o que a esperava se permanecesse dentro do Salão Vermelho, entre escopetas, facas e tutus. Ela conseguia lidar com a dor dos treinos e alongar o pescoço com a elegância do cisne, conseguia lidar com sangue e morte. Era, freqüentemente, a melhor no que fazia. Mas ela não queria, pois dia após dia, eles as faziam competir.
Não suportava mais as notas calmas da orquestra quando iniciava a rotina da manhã nas barras e olhando-se com ferimentos no espelho, uma figura quase sem rosto assim como as outras. As monitoras, sempre de preto, comentavam o quanto ela progredia. O quanto deveria estar perfeita.

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