"Nove"
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Alguém parecia sussurrar o número "nove" nos ouvidos de Wanda, distraindo-a do mundo externo. Era menos do que uma palavra, menos do que um pensamento e menos do que uma memória, tal era sua inefabilidade. Cogitou que a ideia não era sua, talvez captada por uma mente muito próxima e intensa, no entanto aproveitava a luz daquela manhã com quem aproveitara todas as manhãs dos últimos nove dias.
Sam. Steve. Shuri e, ás segundas-feiras, Njeri também.
Corria alguns quilometros com Steve ás seis da manhã, e ele sempre respeitava sua velocidade comum, ao contrário do que fazia com Sam. Ambos trocavam palavras, conversavam coisas supérfluas e que lhes significavam tanto. Certos dias, quando ele se sentia mais azul e ela menos escarlate, mostrava alguns rascunhos no caderno de bolso que ela lhe dera de presente no Natal, orgulhoso dos traços e das cores. E aquilo os fazia sorrir.
Ás sete e meia, Sam tirava-a da guarda do Capitão para o outro lado da arena , onde praticavam um pouco com pistolas em alvos distantes. No início, ele se atreveu a pensar que sua protegida não sabia o peso de uma arma ou a força do recuo do disparo, mas vida em Sokovia tirara inocência dela e de outros muito cedo, de tal modo que as sessões de treino foram apenas uma questão de técnica e exaustiva repetição.No primeiro dia, isso assustou Sam Wilson. Não era natural que uma mulher tão jovem pudesse se sentir tão à vontade com os dedos repousados sobre o gatilho e olhos tão fixos no alvo, mas ele logo se lembrou. Lembrou-se do que ela era capaz, do que havia passado. Lembrou-se de Romanoff, também criada para matar.
"Tantas pessoas ali, criadas para serem armas." Pensou. Maximoff, Romanoff, Barnes. Em certo grau, até mesmo Rogers ou ele próprio. Em outros dias, percebeu que as mãos dela tremiam e que existia algo faiscando em sua expressão, de dor e de trauma. Não era somente ele que se lembrara da guerra e da fome, e então suspendeu as armas de fogo do treinamento, na alegação de que existia atividade melhor a se fazer para deixar Clint Barton orgulhoso:
Malhar os braços. Cuidar de Agneta.
Com a ajuda de Shuri, já havia melhorado consideravelmente sua precisão e rapidez, mas não queria ainda um arco mais moderno. Seus músculos tonificavam-se a cada esticada, suas pupilas miravam longe.
Agora eram nove horas de uma segunda-feira, e ela estava sentada de forma obediente na frente de Njeri, para outra consulta. A doutora parecia fazer de tudo um pouco, trabalhar tanto com pesquisas nas equipes de laboratório quanto cuidar das pessoas dentro do palácio, inclusive os asilados políticos do rei T'Challa. Ela carregava um sorriso no canto na boca, enquanto mexia em uma pilha de papeis numa pasta.
— Bom, bom... Sabe, atividades ao ar livre tem lhe dado mais saúde. Não está tão pálida e até mesmo estou vendo um pouco mais de seus deltoides, Wanda.
Foi então que seus olhos se encontraram diretamente pela primeira vez durante a consulta.
Já haviam mencionado brevemente sobre formas alternativas de tratamento antes, e por hora era o que a paciente punha em prática: Exercícios físicos, exposição controlada ao Sol para produzir um pouco mais de vitamina-D, novos hobbies... Ela até aprendia wakandano com Shuri e outras mulheres das Dora Milaje. Não que todas confiassem totalmente na estrangeira, mas Ayo e Aneka eram agradáveis na medida em que podiam ser.
Wanda lembrou-se de responder ao sorriso, armando-se de uma máscara convincente. Dentro de si, havia a impressão de qualquer movimento em falso poderia lançá-la de volta as prescrições de remédios tarja preta que, verdade seja dita, a faziam se sentir melhor por um período, mas se voltasse a tomá-los, seria a segunda vez num período de dois anos. Na terceira, poderia passar por uma avaliação e tomar Sertralina para o resto da vida, e somente a sugestão disso a enjoava.
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Vazios
FanfictionHá um vazio latente em Wanda. Um vazio que cresce e devora, sussurra e rosna. Grande, feroz. Vermelho e sanguinário. Um vazio que era apenas uma pequena flama, mas que ao longo dos anos, incendiou-se feito uma tormenta de fogo. Wanda o sente. Sente...