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Wanda expirou o ar mais um pouco, de modo que as bolhas de sua respiração viessem à tona, uma após a outra até não houvesse oxigênio em seus pulmões. Abriu as pálpebras, contemplando o brilho cálido das velas incidindo e ondulando acima de si, sobre a superfície. Silêncio. Parecia um portal no meio do vácuo, um janela fulgurante, e ela estava tão perto. Então porque sentia que afundava?

De súbito, seu corpo liberou uma descarga de adrenalina por toda a sua pele. Era hora, era urgente. Não havia mais ar.

Mas, não era assim que se sentia o tempo inteiro?

Levantou seu tronco, sua garganta puxou o ar para dentro de si. Estava sentada na banheira no centro do cômodo à meia luz, cheirando a essência de junípero e o lento queimar do pavio das velas. Passou os dedos no rosto, puxando depois os cabelos molhados para trás. Abraçou os próprios joelhos e permaneceu assim, dentro da água morna.

Um dia, lembrara ela, um dia aquele silêncio estivera preenchido. Era vivaz, algo adoravelmente inquieto. Mesmo na noite, mesmo na confusão. Mesmo que ela nem prestasse atenção, estava lá. Wanda captara os mais peculiares pensamentos dele, suas indagações, piadas tolas e até sua grosseria petulante, pingando ironia. E agora, existia aquele vazio...

Era como se algo dentro de si tivesse se apagado e a sua mente, que viera irmã com a dele, não funcionasse mais direito. Seu poder rubro sorvia ávido de todas inusitadas fantasias e tristes lembranças de quem lhe passasse por perto, lendo diversas frequências das mentes com quem cruzava. Mas... Mas havia o silêncio daquela.

Suspirou, com o queixo encostado nos joelhos. Seus olhos levantaram-se de esguelha para um dispositivo posto sobre a bancada de granito preto, com luzes ciano acezas e som pulsando de suas saídas.

Sim, aquele silêncio existia e não iria embora. No entanto, Wanda poderia se enganar como havia se enganado durante dois anos.

Do pequenino aparelho vinha a melodia de um violão e de uma voz suave, na música que Pietro tanto escutava. Ela tentara aprender a tocá-la enquanto morava na sede dos Vingadores, embora não houvesse muito tempo para praticar no instrumento. A canção perspassava no repeat pelo cômodo inteiro, tão calma e tão diferente do seu irmão.

Seus lábios sorriram.

Levantou-se lentamente, consentindo que água perfumada por sais de banho escorresse gota a gota por sua pele, levando tudo aquilo que ela queria e precisava deixar para trás.Dos seus poros, sentiu vazar sua melancolia, seu coração transbordava saudade. Não deixaria nunca de transbordar.
Ela se enrolou na toalha e desligou o aparelho.

Mais uma vez, silêncio. Dentro de si, adoráveis ecos.

*** ****

A Feiticeira Escarlate caminhava pelo o ocaso.

Suas sapatilhas pretas pisavam na grama, desviando de flores silvestres já altas do chão e desabrochando sem medo. Com a mão esquerda livre, passou os dedos nas folhagens e nas pétalas de cor suave, carregando a cesta de vime com a direita. Estava há quase meia hora de caminhada de onde saíra, na parte reservada do palácio. Sabia que não haveria perigo de se perder e que as sentinela já haviam sido avisadas, uma vez que não iria para a mata alta mais adiante, adentro da floresta, mas sim para o prado que a antecedia.

O azul do céu começou a se tingir de negro e salpicar-se de estrelas. Não haveria lua, porém, para lhe receber e lhe vigiar lá de cima. Estava em sua fase minguante e Wanda tinha consciência do que aquilo significava. Sua sombra na vegetação diluía-se a cada passo, misturando-se com a escuridão.

VaziosOnde histórias criam vida. Descubra agora