Wanda chorou a noite inteira que se seguiu após a missão em Viena.
Seu corpo estava pesado e a mudança de fuso horário não ajudou a colocar sua cabeça dentro dos limites do crânio. Ela chorou e chorou, enquanto abraçava o travesseiro e temia que os curativos em seu tronco se desfizessem com seus soluços fundos e incessantes.
Não estava em condições de conter suas lágrimas ou seus poderes, por mais que aquilo a estilhasse. Sabia que Steve podia ouvi-la. Sam, Nat. E sabia que isso os estilhaçava também.
Ela dormiu por exaustão e por efeito de analgésicos. Ela acordou quase sem saber em que planeta estava, seu sonho recheado de cantigas infantis, vozes metálicas e fios de marionete em seus pulsos e pernas. Evitou imaginar seu corpo retornando aquele estado magro, pálido, apático em que estava quando voltou da prisão no meio do mar.
Decidiu não chorar mais. Não.
Wanda compareceu às consultas de Njeri nos últimos dois dias, ás noves horas da manhã, como o de costume. Sua médica estava deveras preocupada com o estado de sua paciente, pois tinha ouvido de seu rei e de Capitão Rogers o tamanho do estrago causado em sua psiquê. Estava prestes a recomendar um calmante para aliviar seus ânimos quando a dor fosse mais forte, quando a noite fosse mais escura, embora soubesse o quanto ela era avessa a essas alternativas. Mas o espírito de Wanda estava além da dor.
Estava cansada. Conhecia os discursos de médicos bem intencionados, aliás, de pessoas muito bem intencionadas. Stark. Ross. Visão. Em seu íntimo, ainda que desejasse melhorar, seus ouvidos não suportariam mais ouvir algo que já tinha ouvido, seu corpo rejeitaria substâncias manipuladas e doses de serotonina controladas.
Njeri tentou falar sobre luto. Sobre ódio. Citou Freud, dizendo que sentimentos enterrados voltariam ainda piores.Seus dedos balançaram um pouco, seus olhos tornaram-se rubros por inteiro durante as sessões – não somente as escleras avermelhadas pelo choro de antes– e num passe de mágica, Njeri sentia que Wanda apresentava melhora. Que só sentia dor física, que somente estava cansada. Estava liberada.
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Wanda brincava com os fachos de luz que atravessavam o vidro da janela e incidiam mornos sobre sua mão. Parecia querer desfiá-los um a um e inserir dentro de seu coração, sabendo que aquilo era impossível.
O corte em seu tronco estava devidamente enfaixado, já querendo cicatrizar, mas haviam feridas que não podiam ser vistas ainda sangrando. Seu rosto, porém, não demonstrava emoção além de sua melancolia usual, fato que seus amigos conheciam e um observador pouco atento conseguiria notar. Olhos grandes, verdes e um tanto tristonhos, somada a sua boca tantas vezes mudas: um retrato de Wanda Maximoff.
Ela não queria comentar sobre o que acontecera em Viena. Não pessoalmente. Não sobre como Pietro...
Engoliu em seco. O lado esquerdo de sua face ardia.
Deveria imaginar o que aconteceria. Nada adiantou possuir poderes além do próprio corpo físico se não pudera supor que seu irmão, seu irmão morto e enterrado, não estaria ali para abraçá-la de verdade. Nunca mais. E era tão óbvio, tão sórdido.
Quando Sam conseguira levantar-se na ocasião, procurou por ela, Mística. Ele sabia que havia mais alguém no Museu, mas não teve tempo para avisar Wanda ou Shuri. Pelo o que contaram depois de retornarem a Wakanda, fora exatamente desse mesmo modo que enganaram Steve e Sam, e antes deles foi assim que Mística tapeou Natasha.
Mística se tornou Yelena para Natasha.
Para Steve e Sam, tornou-se a própria Viúva Negra.
E para Wanda... Bem, Mística tinha um catálogo inteiro de pessoas que poderia assombrar a Feiticeira Escarlate, mas escolheu justamente a que lhe era mais cara.
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Vazios
FanfictionHá um vazio latente em Wanda. Um vazio que cresce e devora, sussurra e rosna. Grande, feroz. Vermelho e sanguinário. Um vazio que era apenas uma pequena flama, mas que ao longo dos anos, incendiou-se feito uma tormenta de fogo. Wanda o sente. Sente...