Amor e Ódio

Se prender a cidade

- Sei como é se ver envolvida com alguém, e querer acreditar que no fundo algo bom surja dali, mesmo quando a pessoa e até mesmo o universo nos dão sinais de que devemos desistir e aceitar a realidade. – Juliette voltou a ocupar o seu lugar, encarando o copo em suas mãos. – Você achar que o Felipe não teve nenhum envolvimento direto com essa transação é ser muito ingênuo, coisa que você não é. Afinal construiu um pequeno império, e se fosse ingênuo estaria em ruínas antes mesmo de conseguir transformar a marcar Vigor em uma marca que impõe respeito e sucesso no meio empresarial. Seja o que for, ele sabe quais são as pretensões do Rodolfo, e nosso encontro hoje no elevador mostrou isso. Por mais que ele tenha se mantido fora de foco, ele estava lá. Não se engane, eles estão aprontando em conjunto.

Gilberto sentou-se novamente, pegando o copo que descansava na mesa de centro e virando o líquido em sua garganta, em goles contínuos até o copo ser esvaziado.

- Nossa conversa, se posso chamar disso, soou como um alerta. Ele está planejando algo, e pode apostar que teremos noticias em breve sobre eles. E não será algo que nos fará abrir uma garrafa cara de champanhe para comemorar. – Juliette tentou afastar o desgosto ao falar, falhando miseravelmente. – Você se deixou envolver por alguém capaz de lhe destruir enquanto lhe abraça. Por tudo o que você me contou sobre ele e por tudo o que eu mesma pude sentir ao seu respeito, não consigo acreditar que seja uma peça inocente nessa engrenagem.

Gilberto a encarou, dando um longo suspirou deixou que seus ombros caíssem em derrota.

- Eu mantive por muito tempo uma espécie de muralha ao redor dos meus sentimentos, onde coloquei guardiões destemidos protegendo os portões por onde uma seleta lista conseguiu ultrapassá-lo. Nenhum antes no setor amoroso. Família, dois ou três amigos, mas nunca alguém foi capaz de ultrapassar e me fazer um cara apaixonado, até o Felipe. E justamente quando o deixei entrar venho descobrindo que isso pode ter sido o meu pior erro. Nunca antes quis ter algo sério com alguém, nunca tinha me visto apaixonado ao ponto de querer um futuro ao lado da pessoa. Você mais do que ninguém sabe o quanto meu jeito safado me colocou em grandes enrascadas. Sempre soube lidar com caras que estavam atrás só do meu dinheiro, mais ainda daqueles que só queriam diversão por uma noite. Mas isso. – Gilberto balançou a cabeça negando algo, mais para si mesmo do que para Juliette. – Não, eu não consigo.

Juliette se levantou e ocupou o lugar vago ao lado dele, segundando uma de suas mãos apoiada no colo.

- Eu queria muito te dizer o quão maravilhoso é estar apaixonado por alguém, queria estar aqui conversando sobre a sorte que esse cara tem por ter conseguido passar por esses guardiões que você mencionou e se instaurado em seu coração. – Ela esboçou um sorriso de pesar. – Esta história já começou errado, repleto de mentiras. Mesmo que ele não esteja querendo lhe prejudicar, como você acredita, você acha mesmo que cresceria algo saudável entre vocês? Uma pessoa que deseja ter um relacionamento escondido, onde você não sabe se pode confiar plenamente nele? Vamos deixar um pouco de lado o profissional. Esqueça a história do contrato. Você seria feliz estando com alguém que deseja te manter escondido? Que não te diz nada sobre a vida dele?

Gilberto encarou em silêncio as mãos entrelaçadas.

- Eu me mantive em um relacionamento falido, onde não existia nem mesmo o respeito da parte dele. Cheguei a acreditar que deveria lutar com todas minhas forças por um relacionamento que só me fazia mal, e precisou eu pegá-lo me traindo para finalmente acordar e enxergar o erro que estava cometendo. Não estou querendo comparar as situações, só quero usar isso como exemplo de que merdas acontecem. Que deixamos nos envolver com pessoas escrotas, mas que podemos nos libertar delas da mesma forma. E além do mais, não é porque você entregou a esse babaca que não poderá encontrar uma pessoa melhor lá na frente. Uma que realmente mereça ultrapassar os portões da muralha a qual você ergueu.

Depois de um longo tempo em silêncio, Gilberto se desvencilhou das mãos de Juliette e foi até a garrafa. Agora ele que completava os copos vazios.

Após feito, voltou a se sentar ao lado de Juliette.

- Eu preciso descobrir tudo sobre ele, não vou descansar enquanto não tiver essas informações. – Ele deu um pequeno gole na bebida, depois voltou a falar. – Eu confesso que estou lascado por esse cara. Por mais que eu tenha inúmeros motivos para odiá-lo, não consigo. Não totalmente. Talvez seja isso. Talvez eu também precise de todas as informações para finalmente acabar com essa esperança estúpida de que ele não esteja envolvido em toda essa sujeirada.

- Faça isso!

- Irei fazer, nem que eu coloque essa cidade de cabeça para baixo e toque fogo para tirá-lo do buraco onde ele se esconde.

- Só vá com calma. – Ela sorriu, desta vez com certa alegria. – Não precisamos de mais um Nero causando estragos na cidade. Cada maluco em sua época, por favor!

Gilberto deu uma gargalhada, Juliette não se conteve e o acompanhou. Pela primeira vez naquele dia, Juliette sentiu a leveza voltar a pairar em seu coração.

Por mais que tivesse desejado ficar sozinha aquela noite, agradeceu pela aparição de Gilberto em seu apartamento. Ao ajudar o amigo abrir o coração, lhe contanto sobre sua desventura amorosa, Juliette conseguiu se livrar do peso ruim que os encontros do dia tia colocado sobre os seus ombros.

- Agora que já me aconselhou sobre o pessoal, precisamos falar do profissional. – Gilberto voltou a ficar sério. – Precisamos descobrir quais são os planos de Rodolfo. Você comentou que ele esteve no prédio.

- Sim, eles estiveram. O Rodolfo e o Felipe, não vamos esquecer dele. Estavam no andar o qual alguns dos acionistas usaram para montar os seus escritórios.

Gilberto ergueu uma das sobrancelhas.

- O que essa ratazana está tramando?

- Se eu fosse você, visitaria o quanto antes os acionistas. De maneira informal, para sondar qual seria o motivo a visita deles. – Juliette fez uma pausa, pareceu se dar conta de algo. – E se eles foram tentar uma nova abordagem? Sim, vá o quanto antes e verifique de forma que não seja alarmante, pois se não for como eu penso os investidores não irão achar que tem algo de errado com a sua gestão.

- Você merecia uma promoção, deveria ser minha conselheira sênior. – Disse ele.

- Não, muito obrigada. Isso demandaria algo que não sou capaz de dar em troca desse cargo.

- Não deveria recusar, você já me ajudar com algumas situações delicadas, mesmo não sendo sua área. Não sei o porque se recusar a ter essa ascensão. Estou falando sério, você seria uma excelente CS. – Ele a encarou. – O que impede de aceitar a oferta?

- O fato de que se eu aceitar, não poderei voltar atrás e ficarei presa de uma vez por todas nessa cidade. – Disse ela.

Gilberto pareceu ponderar sobre a resposta que Juliette havia lhe dado antes de falar:

- Por que sinto que tenha relação com a Sarah? – Ele lhe lançou um olhar inquisitivo.

Ela deu de ombros.

- Está sentindo errado. – Ela deu um meio sorriso. – Precisamos focar agora no que Rodolfo e o Felipe estão tramando, precisamos ficar a um passo a frente. Mas vamos deixar isso para amanhã, agora vamos apreciar as nossas bebidas e aproveitar esse raro momento. Afinal, não é sempre que o tenho aqui em minha cara de forma deliberada, sem que eu precisasse o arrastar pelos cabelos.

Ele estreitou os olhos para ela.

- Até parece que nunca fiz isso antes.

- Tenha certeza que não, você vindo aqui para desabafar abrindo esse coração de pedra? Nunca.

- Se eu soubesse que você iria usar isso contra mim, eu realmente não teria vindo.

Eles começaram a rir.

O restante da noite foi embalado por assuntos mais suaves, repletos de provocações e risos. Eles beberam um pouco mais, e quando Juliette já começava a não conseguir disfarçar alguns bocejos, Gilberto decidiu que tinha chegado a hora de ir embora.