O passado não cabe mais

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Sarah deixou que Juliette terminasse de se aprontar para o dia de trabalho, não fazendo mais interferência. Assim que ela estava pronta, a seguiu para fora do seu apartamento. Queria aproveitar cada minuto da sua companhia antes que tivessem que se separar para cada uma seguir o seu caminho naquela manhã.

- Te vejo mais tarde? – Perguntou quando chegaram na calçada, a abraçando pela cintura.

- Não consegue ficar por muito tempo longe dessa preciosidade aqui, não é? – Disse Juliette num tom de brincadeira.

- Claro que não, cada segundo longe de você me parece uma eternidade.

- Você é uma boba.

- Boba por você. – Sarah depositou um rápido beijo em seus lábios.

- E eu por você. – Juliette sorriu. – Sim, nos veremos mais tarde. E não vejo a hora desse mais tarde chegar.

- Faço das suas as minhas palavras.

- Realmente preciso ir, até mais tarde.

- Até.

Dando um ultimo beijo, elas se despediram e cada um seguiu o seu caminho.

No caminho de volta para o apartamento de Gilberto, Sarah pensou em tudo o que Juliette havia lhe contato. Do modo em que sua mãe a abordou e nas coisas que havia lhe falado. Ela precisava ter uma conversa séria com ela, fazer compreender que sua atitude era inaceitável e que não iria permitir que ela voltasse a agir daquela maneira.

Assim que passou pela porta, Sarah avistou a sua mãe sentada na extremidade da sala de estar ao lado da janela com um livro no colo. Se ela tinha alguma ansiedade ou preocupação, Sarah não conseguiu ver.

- Não acha um pouco cedo para já está fora de casa? – Disse ela, ainda olhando para o livro em seu colo.

- A sua foi mais cedo ainda. – Respondeu Sarah, um pouco amarga.

Ainda estava chateada pela interferência da mãe em sua relação e o fato dela ter vindo para o Brasil na tentativa de convencê-la a retornar para Los Angeles. Era muito cedo para isso, tinha dito para ela, mas sua mãe resolveu ignorá-la e agir por conta própria.

- O que quer dizer? – Perguntou ela, tirando os olhos do livro e a encarando pela primeira vez.

Sarah deu um longo suspiro na esperança de se manter calma, iniciar uma discussão com sua mãe não era a melhor maneira de fazê-la entender a gravidade das suas interferências. Sarah não era mais uma criança que vivia conformes a suas vontades, e mesmo que custasse mais um outro afastamento faria com que sua mãe voltasse a entender.

Ela andou em direção a sua mãe, ficando de frente para a janela e olhou para a vista. Apoiou-se sobre os cotovelos na vidraça, dali tinha uma visão ampla. As árvores lá em baixo cintilavam na brisa suave, Sarah olhou para o céu, que estava azul e sem nuvens e ao olhar para horizonte em sua frente pôde ver o mar e o céu se fundindo.

Sarah ficou imaginando quanto tempo fazia desde que realmente tivera um relacionamento saudável com sua mãe. Após anos ter tomado as rédeas da própria vida, isso simplesmente não era algo em que ela pensava com tanta frequência. Havia tantas outras coisas para pensar, tentar manter uma carreira e um meio de sobreviver se ela não tivesse sucesso. Depois um relacionamento conturbado para lidar e por fim um trauma para superar. Quem tinha tempo para ficar sentada e ponderar sobre o relacionamento com a mãe que não fazia questão de entendê-la, especialmente quando ela mostrava todos os sinais de que não importasse o que Sarah tentasse, ela não estava disposta a recuar.

Sarah olhou para o céu novamente.

Finalmente Sarah virou-se e encarou sua mão com os lábios apertados que quase não apareciam. Por vez, Maaba a encarava com um olhar apreensivo.

- Por que você foi até o escritório da Juliette sem me dizer nada? – Sarah resolveu ir direto ao assunto, mesmo tentando soar o mais brando possível para evitar uma possível discussão.

- Porquê não preciso lhe dar satisfações do que faço ou deixo de fazer. – Maaba disse, inexpressiva.

Sarah apertou os pulsos tentando controlar a irritação que estava crescendo dentro de si.

- Achei que a nossa conversa tinha deixado tudo as claras, então não entendo o motivo que levou você até lá. – Disse Sarah numa calma fingida.

Sua mãe fechou o livro em seu colo.

- Conversei com você, sim é verdade. – Ela fez uma pausa, sustentando o olhar em Sarah. – Mas não com ela, precisava conversar com ela a sós, para só então deixar as "coisas as claras". – Ela usou os dedos indicadores para fazer as aspas no ar.

- Eu realmente estou tentando manter a cabeça aberta e tranquila a respeito dessa sua interferência no meu relacionamento, mas isso está me custando tanto. – Sarah passou a mão pelo cabelo em frustração, como se estivesse tentando colocar os fios no lugar. – Eu realmente quero acreditar que a sua ida até lá foi com as melhores das intenções, mas isso não diminui o peso das suas palavras contra ela. Palavras essas estão mais do que erradas, você não a conhece e não sabe nada sobre o que estamos construindo.

- Então ela já foi correndo contar para você sobre o que eu disse para ela. – Maaba não conseguiu disfarçar o sarcasmo em sua fala, e isso não passou despercebido para Sarah.

- Você achou que ela iria me esconder algo assim? – Sarah controlava o tom da sua voz, mesmo tendo vontade de gritar até sua mãe entender o quão estava errada sua atitude e julgamentos. – Não escondemos nada uma da outra, o nosso relacionamento é baseado na confiança e sinceridade. É claro que ela iria me contar sobre a conversa medonha que vocês tiveram.

- Você está cega. – Disse friamente, seu olhar acompanhando. – Essa menina está apenas jogando com você e sua fragilidade, vejo que você já está nas mãos dela. Você acredita mesmo que essa relação vai te trazer algo bom?

- Não só acho, como sei que sim. Como já está me trazendo muitas coisas que não tive antes, como amor verdadeiro em minha vida.

- Amor? – Maaba riu sem humor, esfregando o rosto. – Não me venha dizer que acha que a ama, Sarah.

- E se eu disser que sim, o que isso importa?

- Importa o quão envolvida você está nessa armadilha que você chama de relação. – Disse de forma desdenhosa. – Novamente está se entregando a uma garota que irá a usar e depois jogar fora como se não passasse de um brinquedinho, pois é desta forma que elas te enxergam. Eu não estava errada sobre a Joey e não estarei sobre essa daí, e você irá me dar razão quando esse mundo encantado se ruir e eu tiver que lhe tirar do fundo do poço novamente.

- Chega! – Esbravejou, não conseguindo mais manter a fachada calma. – Você não de nada, nem ao menos se deu o trabalho de realmente conhecê-la antes de julgá-la. – Sarah deu alguns passos, se afastando um pouco da mãe. – O meu passado nada tem relação com o meu presente ou futuro. Quantas vezes vou ter que falar que nada é igual, que não existe comparações. Sim, eu sei que tive escolhas ruins, mas isso não quer dizer que desta vez será igual. Eu estou cansada de viver pautada no que já passou, no que não me cabe mais. Queria muito fazer com que você entendesse de uma vez por todas isso. 

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