Capítulo 4: "Baixos e mais Baixos" - parte 3

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Ficamos ajeitando as peças conforme planejamos no dia anterior, tinha muita coisa para ver. A professora entrou no teatro, e se surpreendeu com a minha presença ali, e Julia se escondeu entre os panos.

A professora, chegou perto dos tecidos e disse:

—Muito trabalho por aqui? — perguntou ela sorridente.

—Um pouco, separei alguns tecidos para ser a base mas, preciso saber como será essa peça. — disse sorrindo com tranquilidade.

—Bem, esta é a questão, tudo ocorre bem no tema da peça, mas, sinto que falta algo, uma conexão entre os dois personagens. Consegue compreender? —perguntou a professora olhando para o teatro.

—Acho que sim, apesar de só entender sobre tecidos e tesouras. — sorri e ela deu uma risada fraca.

—Preciso encontrar pessoas que tenham essa conexão, algo que as unem. Além da mensagem, quero que toquem nos corações. — disse a professora com um olhar sonhador. *

—Sinto que a Senhora vai conseguir encontrar, tenho a certeza disso. Eu andei pensando, e dessa vez, podemos arriscar em tecidos de tons mais claros e vívidos, além dos tecidos comuns. — comentei olhando para o tecido.

A professora, ainda com o olhar sonhador, disse:

—Não sente a necessidade? —perguntou ela com um vislumbre no olhar.

—Necessidade? — repeti sem compreender.

—É. Necessidade de fazer algo que impacte a vida de alguém? —perguntou a professora sem nem sequer se virar para mim.

—Bem, eu sinto sim. E é por isso que faço panos. — sorri com leveza.

—Panos cobrem corpos de pessoas, mas, não impactam elas. Não sente necessidade de impacta-las? — perguntou a professora e eu fiquei em silêncio. Não sabia onde a professora queria chegar, e tão pouco, se eu tinha alguma moral para respondê-la, por isso, fiquei em silêncio. 

É mais fácil você ficar em silêncio quando não tem algo para dizer. *


Abaixei o olhar, e ela então, percebendo o silêncio, disse:

—Cassie, impacte as pessoas com esses figurinos. Mostre quem você é através deles, não faça porque vale nota, ou porque, eu pedi para que fizesse. Faça porque, de alguma forma, cada molécula desse tecido, vai avivar o coração de alguém. Faça porque, quando você olha para ele, você se sente viva! — disse a professora sorrindo e complementou:

— Faça para transmitir a mensagem daquilo que você mais sofre, de dentro de você. Faça, apenas faça. — disse ela sorrindo através dos óculos.

Eu sorri e disse:

—Espero que seja forte o suficiente para impactar a vida do Louis também —sorri e a professora, deu duas piscadelas e sorriu. Acho que ambas, desejássemos isso profundamente.

A professora me deixou sozinha, até a próxima aula, e então, Julia saiu detrás dos panos e disse:

—Puxa, isso que é o Espírito do Teatro. — disse ela comentando e rindo. E eu sorri. *

O sinal tocou, e juntas, desligamos as luzes, e fomos em direção a próxima aula, quando Louis apareceu e disse:

—Oi menina do anuário. Escuta, teria problema se eu não fosse na aula de teatro hoje? —disse ele baixinho disfarçando que estava falando comigo.

—Ta falando comigo ou com a lixeira? — perguntei erguendo a sobrancelha.

—Mas, que diabos está falando? Lógico que estou falando com você. — disse Louis ainda olhando para a lixeira.

—Pois eu acho que não, mal sabe me olhar. Receio que a lixeira tenha a sua resposta. —comentei fechando o armário e saindo pisando forte.

Louis veio atrás de mim, e disse:

—Pronto! Satisfeita? E aí? — perguntou ele e eu revirei os olhos.*

— Louis, você tem que ir pra aula de teatro. Sabe disso né? Vale nota. E é melhor ir perguntar para a professora. — disse rapidamente.

-não, sabe o que é. Você me parece tão esperta e antenada em tudo. Ela vai me dar uma surra de sermão sobre o respeito ao regimento escolar. —disse ele suspirando cansado.

—Então, já tem a sua resposta. Agora, se me der licença... —disse a ele e me afastei.

Entrei na sala, e então, me sentei na última carteira como de costume, Julia me olhou e disse:

—O que ele queria? — cochichou quando o professor de Matemática estava ensinando algo.

—Bem queria saber se podia furar na aula de teatro. — disse revirando os olhos e cochichando.

—Inacreditável! — disse ela e ficando em silêncio porque o professor já estava de olho.

Ainda me sentia uma total esquisita na sala, as vezes, eu me sentia assim.

Hoje, percebo que na verdade, eu ainda não havia aprendido a lidar com isso, quando vivemos em um mundo onde, as pessoas acreditam em "padrões", todo aquele que não segue, acaba se sentindo esquisito ou fora de linha. Hoje, depois de ouvir tantas coisas, percebo que na verdade, padrões não existem, ou melhor, existem na mente das pessoas que acreditam nisso. E apesar de estar fazendo roupas para representar a liberdade de ser você mesmo, eu ainda não acreditava nessa liberdade, e nem me sentia livre. Era um mal que estava enraizado em mim, eu ainda queria sumir, ainda queria ser inferior ao ponto de ninguém ligar. Eu ainda sentia raiva de ser gorda, já fazia tempo que não me olhava no espelho, por sentir nojo de mim mesma.

Fiquei pensando na conversa inspiradora com a professora, ela me fizera uma pergunta interessante:

"Não tenho vontade de ser impactante?", interessante que, mesmo que não dei uma resposta para ela, eu tinha uma resposta para a sua pergunta:

Não, eu não sentia desejo de ser impactante. Não queria ser notada, ou que reparem em mim. Eu quero apesar produzir, cortar, costurar sem nem sequer pensar sobre. Eu não queria impactar ninguém, apenas, que usem as minhas peças. Não vejo que eu seja impactante a esse ponto. A aula acabou, quando, uma garota loira apareceu do meu lado, e me deu duas cutucadas no meu ombro.

Era uma garota mais baixa do que eu, ela abriu um enorme sorriso e disse:

—Ola, eu sou a Sara. Você é a Cassie não é? —perguntou ela me olhando com atenção. *

Julia logo se colocou ao meu lado, e então, eu assenti e ela disse:

—Certo. Eu queria lhe fazer um convite, nós estamos montando um grupo de garotas, um grupo para representar as garotas. Queria sabe se você não gostaria de participar. — disse a menina com simplicidade.

Eu dei um passo para a trás, e de repente, me veio um flash em câmera lenta.

A garota, sem entender muito, ficou parada me olhando, e Julia me olhou e disse:

—Nós adoraríamos. Vai ser uma honra, onde está a lista? —perguntou Júlia.

Eu fiquei ali parada, e então, Julia assinou os nossos nomes. A menina, agradeceu, e eu fiquei parada, sem saber o que dizer. Julia, então, segurou no meu braço e disse:

—vamos lá, não custa nada dar uma força para as meninas. Já sabemos como vai ser. —disse ela sorrindo tentando me animar.

—Eu tenho tanta coisa para fazer Ju, não posso me dar o luxo de participar desse grupo. Acho que vou tirar o meu nome e... — me virei para ir até a garota.

Além das Aparências - Veja além das suas AparênciasOnde histórias criam vida. Descubra agora