Fique Acordada

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Fique Acordada - Procurando Nemo

Mal se lembrava de cair na cama ainda vestida, de saltos e maquiagem sem se incomodar em manchar fronhas e lençóis. Não percebeu como se livrou das botas, ou das meias ao sentir a própria pele nua ao esfregar um pé no outro. Lembrava-se e pensava que jamais esqueceria. Caíra no colchão macio com um sorriso no rosto porque se divertira, se divertira de verdade com alguém que ela imaginava não ter a menor oportunidade tão cedo, talvez nunca.

Acho que gosto de festas, pensou refletindo ao acordar.

Todavia a reflexão não durou milésimos de segundos ainda enevoados de sonho.

Mal estava inquieta. Um sentimento ruim, inominável, a rondava pesando em seu peito como ar denso e sufocante. E foi isso que a despertou. A sensação ruim, o coração batendo em um ritmo forte.

Abriu os olhos com esforço. Acreditava que tinha passado chumbo nos cílios e não rímel tamanho o peso. Mesmo assim, esfregou os olhos arrancando alguns pelinhos do lugar e rapidamente procurou pelo celular para se situar. Eram 08h20 da manhã. Elas chegaram por volta das sete.

Uma hora ou menos de sono. Provavelmente menos.

Por quê?

Levantou e imediatamente sentiu a força com que seu coração bombeava. Seguiu para o banheiro e jogou água no rosto sem saber se estava fria ou morna. Focou o olhar no espelho. Seu reflexo era assustador. Mal era branca, mas estava pálida a ponto de as olheiras arroxeadas a fazerem parecer um cadáver, o rímel borrado lhe passava uma imagem deprimente; o hematoma parecia latente e novo. O que impedia esse pensamento de estar morta eram seus olhos. O verde estava límpido, um brilho quase febril.

E ela se conhecia tão bem para ver o desconcerto, o medo e a preocupação dançando ali nas íris claras. Vivo e nervoso. O problema era que nada daquilo tinha um motivo aparente, um foco.

Sua intuição gritava e despertava seu corpo de um modo tão aguçado que ela sequer se lembrava de não ter descansado propriamente; a única prova de cansaço era seu rosto. Não podia ignorar, não iria ignorar aquele alerta. Fora salva e salvara tantas vezes por confiar em seus instintos que agora era mero reflexo.

Mal saiu do quarto sem perceber que estava com os pés descalços ou com a mesma roupa com que curtira sua noitada. Ela andou pelos corredores, prendendo o cabelo em um rabo torto. Não registrou nenhum dos empregados pelos quais passou, nem mesmo a mulher que se assustara e soltara um gritinho vergonhoso. Andou sem saber para onde seus pés a levavam até acidentalmente encontrar a família real reunida ainda ao redor da mesa.

Algo estava errado. Muito, muito errado.

-Mal? Não conseguiu dormir? – ela viu e não compreendeu a preocupação e o cuidado na fala de Aurora. Philip se levantou para recebê-la.

-Acho que cochilei – respondeu de forma vulnerável como uma criança. Os lábios entreabertos, os olhos fugitivos e arregalados sem saber em que ou em quem focar...

-Deveria aproveitar o café – Philip sugeriu discretamente conduzindo-a para a mesa farta em opções. O cheiro de grão recém moído era muito bom, poderia facilmente servir de distração não fosse ela tão alerta a si mesma. Seu estômago se retorceu em enjoo em um novo aviso.

-Tem algo errado – disse inquieta olhando para todos os lados sem saber o que procurava. Ela sentia a pele vibrando como se em preparação. Para quê, para quê? Se questionava sem ter qualquer resposta.

-Muitas coisas estão erradas – Mal sequer registrou a provocação. A alfinetada em forma de resmungo ou o que quer que aquilo fosse era mero zumbido em suas orelhas.

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