Pedacinho do Céu

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Pedacinho do Céu - Nem Que A Vaca Tussa

Os quatro saíram do vestiário ao mesmo tempo. Passos lentos, expressões de comerciante. Ninguém ali se atrevia a revelar o verdadeiro sentimento dominante. Medo. Estavam apavorados com aquela nova aula. Mas os rostos estavam congelados numa fria indiferença.

O dia letivo tinha passado em branco para os quatro. Nenhum deles se concentrou em aula alguma. Nenhum conseguiu manter uma conversa decente e longa com nenhum dos bonzinhos; grosserias sempre escapavam denunciando que nenhum deles estava com humor para brincadeiras e futilidades.

As meninas escondiam parte de seus corpos com auxílio do roupão; Carlos e Jay levavam as toalhas nos ombros. Pararam em frente à piscina número dois – mais rasa do que funda. O professor estava li, de pé, silencioso e impassível.

Mal aproveitou para analisá-lo bem. Era alto e musculoso, a pele morena clara, a postura firme; não podia ter mais de 30. Camiseta amarela e bermuda azul, um par de chinelos; um uniforme pelo símbolo do colégio. Os cabelos eram de um tom médio de castanho, mas bem iluminado como se ele pegasse muito sol; devia ser surfista. Mas eram aqueles olhos castanhos que estavam incomodando a vilã: Mal conseguia enxergar uma armadura ali, uma muralha de impassividade escondendo os sentimentos do professor.

Como nós... Ele está tão assustado quanto todos nós...

A postura de Mal relaxou um pouco, detalhe logo percebido pelo professor atento. A menina não abriu mão de sua máscara, mas permitiu, por um milésimo de segundo, que ele a visse como de fato se sentia naquele instante. Um instante, não mais do que um instante. O que dava a ele a certeza de que aquilo fora real era a insistência, a permanência do olhar da menina sobre o seu.

-Bem-vindos para a primeira aula de noções básicas de natação – começou com sua voz grossa e charmosa, apesar de bastante séria – Para vocês, eu sou professor ou senhor Benício e pretendo avançar devagar com as aulas, trabalhar individualmente e em grupo.

-E Doug? – perguntou Evie baixinho.

-Dispensei o rapaz durante as primeiras aulas para termos uma aula um pouco mais intimista – continuou o homem ainda com as mãos nas costas – Precisamos criar um laço de confiança para superar o medo de nadar.

-Nós não confiamos fácil – disse Carlos.

-Será uma desvantagem, então – continuou firme – Vamos começar com um exercício fácil: vocês expõem um medo e eu exponho um medo meu.

-Não deveria pedir que nos apresentássemos? – perguntou Evie, timidamente, arrancando do homem um sorrisinho no canto da boca, quase inexistente.

-A essa altura, toda Auradon conhece os nomes de vocês, mas se quiserem se apresentar... – o silêncio foi pesado; o professor Benício se afastou indo em direção a sua bolsa e dali tirou uma maçã vermelha – Muito bem, eu começo. Eu sou Benício e estou bastante receoso quanto a lecionar para as crianças que vieram da Ilha.

E jogou a maçã na direção de Mal que pegou a fruta sem qualquer esforço, sem piscar.

Nos próximos cinco minutos, os quatro amigos disseram seus nomes e confessaram terem medo da água e de aprender a nadar. O professor então disse estar orgulhoso deles e afirmou que o primeiro passo para que eles conseguissem nadar era admitindo que sentiam medo, o próximo passo era compreender que aquilo era muito mais normal do que parecia.

Benício então passou aos seus alunos uma série de alongamentos; a conversa sempre em alta, ele falando muito mais do que os quatro, apesar de nunca falar demais. Era tudo para mantê-los à vontade, criar alguma afinidade. Naquela primeira aula, o máximo que eles chegaram a fazer foi sentar na borda de piscina e baterem as pernas. Uma hora passou rápido demais.

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