Dois Mundos

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Dois Mundos - Tarzan

Não era tarde quando os dois invadiram a cozinha – ainda aberta e cheia de trabalhadores já cansados, organizando o lugar para o dia seguinte. Passaram despercebidos, sem auxílio de magia, contando apenas com a habilidade de serem ágeis, leves e rápidos como ladrões; a menina estar de salto em nada interferia naquelas habilidades. Pegaram dois copos largos de vidro e uma jarra de leite e saíram com sorrisos cúmplices.

No corredor e nas escadas, se permitiram rir de si mesmos. Mas riram mesmo, como sentiam que há tempos não faziam. Sentiam-se eles mesmos, como se voltassem ao melhor da infância que tiveram juntos.

Passaram no quarto dos meninos para pegar a coqueteleira que viera com eles da Ilha e duas garrafas cheias de álcool: uma roubada, a outra um presente da degustação da festa que deram. Então seguiram para a grande sacada do andar dos alunos.

A porta ficava na lateral e não no centro; rente as paredes, quatro vasos grandes, espaçados cheios de folhagens. Seguiram para o fundo, para a outra ponta, e sentaram-se no chão, colocando entre eles o que levaram.

Sim, estava frio. Uma noite fria e um chão gelado. Nada que eles já não tivessem sentido na pele antes; os braços nus de Jay, e as pernas de Mal de fora não os incomodavam como deveriam.

-Esquecemos o gelo – sorriu ele, ainda animado demais para lamentar aquele esquecimento. Magicamente, os dois copos encheram-se até a boca de bonitas pedras de gelo – Não tem tempo ruim com você, gata – disse abrindo a garrafa de vodka enquanto Mal abria a garrafa de licor de café.

-Duas medidas? – perguntou ela vendo o amigo colocar as doses na coqueteleira. Os dois trocaram olhares e sorrisos significativos – Três então – Mal somou às três doses de vodka, duas doses do licor e deixou que Jay agitasse charmosamente. Ele serviu os dois copos, preenchendo-os até a metade; Mal completou os copos com leite. A mistura ficava bem separadinha: o escuro do café embaixo, o branco aparentemente cremoso do leite por cima.

-Saúde! – brindaram.

Beberam e apreciaram o drink em silêncio. A noite estava escura, pouco estrelada. A lua minguante, afiada como a lâmina de uma faca, indicava poucos amigos onde cresceram (Carlos fora se consultar com seu terapeuta e Evie encanara com um ritual de beleza), notícias duras também, como o envolvimento do príncipe Benjamin e da vilã Mal.

-Tem muito tempo que não fazemos isso – disse Jay de olhos fechados – Nos arriscar, digo. Invadir a cozinha sem magia e ficar aqui quando todos ainda estão acordados.

-Sentia falta disso – confessou a menina, disfarçadamente, jogando o maior peso da afirmação para Jay.

-Não dá para fugir de quem nós somos – disse ele tomando mais um gole – Lembra quando éramos crianças, quando você nos passava missões e desafios? Quando mandou que eu recuperasse minhas botas?

-Lembro – ela sorriu e bebeu. Aquele dia fora marcante demais, de formas diferentes. A satisfação do teste cumprido, do presente recebido, o choque das consequências de um ataque de raiva, uma morte. "Ele é mau!" gritara Jafar; "Mantenha-o por perto" dissera Malévola.

-Sinto falta da liberdade que tínhamos lá – confessou o garoto pensando na aventura daquele dia – Invadíamos casas e subíamos nos telhados sem pensar que poderíamos ser julgados. Nunca mais tive a chance de "escalar" por aqui – lamentou; no fundo era o parkour a verdadeira válvula de escape do rapaz, esportes no geral apenas camuflavam a ânsia que ele tinha por ser rápido e ágil em pequenas e, principalmente, grandes alturas.

-Feron tentou te julgar uma vez – sorriu Mal, atendo-se a parte mais "insignificante" para tentar não pesar o clima bom entre os dois depois de um dia difícil – Destruiu o telhado frágil de uma banquinha bem na frente dele.

SeduzentesOnde histórias criam vida. Descubra agora