Vejo Uma Porta Abrir

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Vejo Uma Porta Abrir - Frozen

Os corredores da biblioteca nunca pareceram tão longos como naquele momento. Mesmo sendo por volta do meio-dia, a luz da tarde mesmo quente para um dia de outono, não impedia os corredores de parecerem tão sombrios. E desertos. Não havia uma alma viva ali com exceção dos dois. Os passos mesmo abafados nos carpetes, gritavam quando de encontro ao assoalho de madeira. E a respiração? Por que tão alta? Claro, isso tudo acontecia apenas com ele, Doug, o nerd afobado. Mal, em suas botas longas de saltos finos, andava como um gato, como um cadáver, não fazia ruído algum, sequer parecia respirar.

Vez ou outra na caminhada ele lançava olhares para a menina esbelta que o acompanhava. As botas eram intimidantes e o corpete deixava sua cintura infinitamente marcada, e ressaltava seus seios redondos valorizando seu corpo de maneira nada discreta; os cabelos caíam sutilmente ondulados, emolduravam seu rosto e cobriam suas costas; seus olhos vítreos, sem piscar; a pele clara e suave como leite. Não dava para negar de forma alguma a beleza de Mal. Mas era uma beleza aterrorizante. Mesmo sem chifres, sem presas ou garras. Suas cores eram muito vivas, muito frias. Algo na garota o fazia pensar em deuses duros e frios como mármore. Impiedosos.

-Eles costumavam ficar aqui – disse indicando a prateleira mais baixa numa estante discretamente escondida na dobra de um corredor; lugar perfeito, longe dos olhos, porém não escondido de maneira óbvia: feitiços e esconderijos mirabolantes – Ainda tem dois exemplares, mas não tem caráter tão significativo quanto os demais... – disse de joelhos no chão, evitando a todo custo olhar para aquela entidade cheia de magia. Mesmo no chão, mesmo de costas pensou ter visto um brilho verde iluminar as estantes. Lentamente estendeu o braço para cima levantando os dois exemplares para que a jovem os pegasse – Não acho que lhe serão úteis – disse mais baixo ouvindo as folhas serem folheadas – O que já vi e o que já ouvi de sua capacidade são milagres enquanto esses ensinam coelhos a saírem da cartola.

-E os demais? – sua voz era fria, sem sentimentos, sem emoções. Deliciosamente aveludada; um convite aos ouvidos mais críticos... Infinitamente perigosa.

-Fiquei próximo da bibliotecária o suficiente para que deixasse escapar – disse voltando a caminhar, mostrando a direção; precisava se manter falando para não sucumbir ao seu desejo ardente de fazer perguntas, ao desejo insano de encarar a joia verde em seu lindo pescoço e implorar que a menina realizasse uma bruxaria que lhe arrancasse os sentimentos para esquecer assim a ferida gigante que a sua princesa má causou em seu peito – Assim que a chegada de vocês foi anunciada os seis livros foram retirados, aqueles dois só retornaram por insistência minha e por serem os de conteúdo mais fraco.

Caminharam mais alguns corredores em silêncio. Doug continuava indignado para não dizer assustado pela forma como ela andava, como ela se movia: silenciosa demais, fria demais, sequer parecia respirar; lembrava-o um cadáver, embora fosse bonita demais, poderosa demais para ser um reles morto-vivo.

Chegaram em frente ao balcão da bibliotecária. Lindo em mogno. Cheio de livros empilhados e sem a costumeira imagem da velha adormecendo sobre um exemplar, borrando as letras com sua baba. Todos estavam distraídos demais com o resultado do jogo, com o show do estepe-real. Estavam sozinhos. Sem testemunhas.

-Por aqui – indicou ele, seguindo para o outro lado do balcão. Não estaria fácil assim, mesmo tendo em vista que as três estantes atrás do balcão era leituras proibidas sem a devida autorização de um professor e da diretora. Não. Era fácil demais.

Doug se encaminhou para a extrema ponta a esquerda dos que viam do lado de fora do balcão, pressionou um ponto firme da estante e empurrou-a. Uma porta falsa. Doug não quis ver o sorriso que brilhou naqueles olhos mágicos, o repuxar de lábios sutil. Como um cavalheiro, deixou a estante virada, a porta aberta para que ela passasse primeiro.

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