Hora de Dormir

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Hora de Dormir - A Pequena Sereia

A noite estava fria, padrão de uma noite de outono, mas Audrey não havia conseguido fechar as janelas mesmo com a insistência de sua colega de quarto que parecia estar enterrada sobre trocentos edredons e cobertas. Barganhara no início da noite com a tal garota e o preço fora relativamente baixo aos olhos da princesa: Audrey havia dado uma de suas jaquetas em troca de manter a janela aberta e o ar circulando; a companheira se interessava por bens de luxo, a princesa já tinha interesse em manter a sanidade.

Faltava pouco para a madrugada, mas a princesa continuava desperta. Muito desperta. Consciente demais do silêncio da noite, das batidas de seu coração, das piscadas involuntárias de seus olhos que se recusavam descansar.

Deitada em sua cama, odiando a claridade de seus pensamentos, com seu pijama em tons claros, cinza e branco; apesar de ser longo – o conjunto de calça e blusa – num tecido muito leve para aquela estação do ano. Seus pés nus se encontravam bem gelados, mesmo assim ela não fazia o menor gesto para se cobrir com a manta tão próxima.

Sua mente não desligava. Nunca mesmo. E o frio vento que entrava pela janela era um companheiro bastante prestativo, para dizer o mínimo. Tirava-a de pensamentos que ela não queria remoer e os levava para outros muito mais agradáveis como o jantar de sexta-feira tão divertido, como as horas a cavalo cheias de liberdade, como as horas numa dança alegre.

Mas sua mente era traiçoeira e escapava por pequenas brechas escuras, fugindo da alegria que o vento tentava trazer; seu próprio punho naquela pulseira ortopédica era um grande e fácil desvio para cantos sombrios de sua mente enevoada por perguntas e acusações.

Momentos vergonhosos, em público ou não. Momentos românticos ou nem tanto. Momentos de tamanha insegurança que sentia faltar ar em seus pulmões.

"Você não pode ser burra a esse ponto"

As palavras voltavam contra seus ouvidos como se as ouvisse pela primeira vez. Não queria acreditar nelas, mas uma parte podre de si cria naquela alfinetada direto em sua alma.

Estúpida! Ela mesma pensou por seguir exatamente por onde não queria seguir. Por que é tão difícil controlar meus pensamentos?

Não queria pensar nele. Mas era inevitável. Seus cabelos louros, seus olhos azuis, a pele clarinha como uma nuvem de verão. Um anjo. Ele sempre havia sido descrito como um anjo, tanto na aparência quanto no caráter; a aparência sempre falando pelo caráter em verdade. Quando os três eram crianças, o povo costumava dizer que Benjamin era o herdeiro do reino, e que o príncipe Chad era o anjo que resguardaria o seu reinado, o braço direito em que se apoiariam tanto o monarca quanto o país. Os dois sempre ao lado da princesa crescida e criada para governar, amada pelo povo, pela nobreza... contudo, nunca amada nem pelo herdeiro, nem pelo anjo.

Aquela trindade segura e querida pelo país havia ruído, e eles não faziam a menor ideia do quanto. Se é que algum dia aquela trindade havia existido; ela duvidava agora com seu coração despedaçado. Eram muitas mentiras e muitas máscaras o tempo todo da parte dos três; começava a ser impossível distinguir o que era real e o que não era.

Agora a princesa não sabia bem quais eram seus sentimentos por aquele que crescera com ela, que a cortejara sempre, mesmo quando estava comprometida com a outra ponta da trindade. Aquele príncipe que tinha o apelido de anjo, que também era conhecido vulgarmente como a versão sem brilho de Benjamin... aquele que a machucara mais de uma vez, de variadas formas.

Mordiscou o lábio tentando se impedir de continuar, mas não conseguiu. Nunca conseguia. Seus pensamentos corriam soltos, velozes, impedindo-a de fazer o que ela precisava, ignorando sua vontade primitiva de descansar.

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