8. Heimfra e o Código Sagrado - Décima Primeira Parte.

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— É sânscrito — disse Eremia.

— Sânscrito? — repetiram os garotos.

— Sim, trata-se de uma língua antiquíssima que os homens usavam num tempo remoto. Nela estão ocultos significados altamente espirituais e mágicos. Todos nós, Fhar, usamos essa língua como código secreto e sagrado. Morga tem a honra de ter o Flatus com a inicial do seu nome impressa no seu pequeno caderno vermelho. — A Bramante ergueu as mãos e gesticulou, desenhando no ar algo que somente Morga podia entender.

— Os Ambalis! — exclamou a jovem maga.

Os três Dakis não desgrudavam o olhar e aguardaram.

— Sim, além dos Códigos Sagrados, nós utilizamos os Ambalis, que são os números do sânscrito, e espero que você já saiba usá-los — comentou Eremia.

— Claro, eu usei o 4, que representa a força — redarguiu, feliz.

— Bem. Você já tem tudo o que precisa para alcançar a meta. A sua magia do vento, os Ambalis e os códigos não falharão. Agora, porém, eu não posso explicar mais que isso. O tempo corre veloz, e a cerimônia fúnebre de Telkia e dos outros Fhar começará à meia-noite. — Eremia entregou o pergaminho a Morga, que o guardou em seu Obolho de cristal.

— Como vamos fazer para achar as duas chaves e as pedras? E onde estão as Chartum Psiche? — perguntou Horp, cheio de dúvidas.

— Morga seguirá seu instinto. Cheirará o vento e saberá aonde ir. Ela é a Imperfeita, e não errará. O local onde as chaves se encontram não é acessível a todos.

Eremia olhou para a garotinha, que baixou os olhos e observou a chave com o código da Lei Cósmica que tinha em suas mãos.

A xamã passou o dedo sobre o kumkum e, semicerrando os olhos, acrescentou:
— Vocês precisam entrar na torre de Okrad amanhã à noite. Ele estará celebrando o encerramento dos funerais, que durarão 32 horas. A partir da meia-noite de hoje até às oito da manhã do dia depois de amanhã, nós, Fhar, estaremos obsequiando os mortos. O momento mais oportuno para entrar em sua torre, portanto, é amanhã à noite. Espero que vocês consigam encontrar as chaves. Nenhum de nós pode entrar na residência do Grão-Medônio. Somente Okrad decide quem convidar, o que faz com que nem eu nem Serunte possamos acompanhar vocês. As nossas presenças seriam altamente suspeitas.

Morga aproximou-se de Eremia e assegurou-lhe sua total dedicação com os olhos faiscantes de orgulho.

— Eu não tenho medo. Sei que é meu dever encontrar as chaves. A profecia não pode estar errada. Certo?

— Exatamente. Somente você pode fazer isso. E estes três corajosos Dakis vão ajudá-la.

A Bramante postou-se diante dos garotos e, tomando suas mãos, reteve-as nas suas. A velha Fhar transmitiu sua energia alquímica aos Dakis.

— Vocês não deverão jamais se separar por causa de ideias. Suas ações saberão levá-los para o futuro. Não traiam jamais seu coração e sigam o vento de Morga. Vocês sabem que o vento sopra e muda as coisas... — Eremia ergueu a cabeça para o céu.

E os garotinhos responderam juntos:
— Até as pedras tornam-se rosas...

Quando Morga ouviu as estrofes de sua poesia, comoveu-se e pensou nas pedras com os códigos. Essas pedras mudariam o futuro de Emiós. De dura, a vida tornar-se-ia uma pétala de rosa. Talvez fosse justamente o significado da sua magia do vento. O ar e as energias da natureza podiam modificar a existência. O coração das pessoas e das coisas seria puro. Ela sentiu uma grande responsabilidade, e o orgulho de ser a Imperfeita lhe conferiu uma imensa força interior.

— O vento levará vocês para casa... para a Terra — murmurou a Bramante, desviando novamente o olhar para o cadáver de Telkia. — Nós, Fhar, erramos e eu reconheço isso. Não tenho medo de morrer, porque sei que a vida de vocês vai continuar de uma maneira muito diferente e melhor do que é agora.

Morga agarrou uma ponta do comprido vestido branco da velha xamã.

— Não fale assim. Eu não posso perdê-la. Você realmente quer que o vírus a mate?

— Fecharei os olhos para sempre, porém não antes de ter visto você sorrir vitoriosa. — Eremia afagou o rosto cândido de Morga, passou os dedos sobre as sardas roxas e, com olhar maternal, levantou-lhe o queixo.

A garotinha estendeu os braços para abraçá-la mais uma vez, mas a Bramante desviou-se.

— Sentimentos demais! Eu ainda não estou acostumada. Lembre-se de que o meu coração está fechado há muitos séculos.

Yhari deu um passo para a frente e, espiando para dentro da Cuba Biomágica, tomou a liberdade de pegar a mão direita de Eremia, que se sobressaltou. O garoto não sentiu nada diante do cadáver de Telkia; seus pensamentos voaram para a sua infância e os sonhos que haviam sido esmagados pela Imperalei.

— Estou contente de ter compreendido a importância do amor. Obrigado, Bramante Branca, tudo o que você disse ficará guardado dentro de mim. Eu também gostaria de ser totalmente humano, como Morga. E sei que o meu sangue mudará, tornar-se-á forte e disseminará o amor, caso eu consiga chegar ao planeta Terra. Eu... tenho um grande respeito pelas rugas que vejo em seu rosto. Você não é uma Fhar cínica. É mais humana que todos nós e, por isso, eu seguirei o destino marcado pela profecia.

Morga olhava o garoto louro que a beijara com olhos enamorados. Eremia percebeu e uniu a mão de Yhari à da Maga do Vento, que ainda segurava a chave.

— Pronto, a única coisa que será eterna é o sentimento humano. Não se esqueçam disso — concluiu a xamã.

Horp olhou para os olhos cor-de-rosa de Drima.

— Você está com o olhar luminoso. Não sente mais medo?

— Não. Ao lado de vocês eu me sinto bem. Sinto-me segura — respondeu, olhando fixamente para a Bramante e visivelmente satisfeita.

Morga voltou a guardar a chave dentro do Gual e afundou a ponta de prata, fazendo desaparecer o Obolho.

— Não vou precisar dele agora, certo, Eremia?

— Sim, é melhor que permaneça invisível. Você só voltará a usá-lo na torre de Okrad.

A xamã foi até a janela e, afastando ligeiramente a pesada cortina, fez um sinal para os garotinhos se aproximarem.

Fim da Décima Primeira Parte.

Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora