3. Os Olhos de Yhari - Sexta Parte.

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Yhari sorriu.

— Cilla e Wapi parecem ter vontade de travar amizade. Talvez tenham se encontrado de maneira um tanto violenta, como nós. Mas, agora, podemos nos conhecer.

— Você acha? Eu não, Wapi ficou demasiadamente assustado. E eu também. — Morga sentia-se tentada a continuar a conversar com aquele garoto, mas o cheiro de lã cozida dos Dromantes tornara-se mais forte. A caravana estava chegando, e ela certamente não podia ficar ali.

— Por que o seu Piróssio é branco e cospe fogo roxo?

A pergunta colocou Morga em dificuldade.

— Você quer saber demais. E eu não tenho nenhuma intenção de ficar aqui conversando com você. — A garotinha reagiu com maus modos ainda que, na realidade, tivesse gostado de dizer exatamente o contrário. Sentia-se atraída por aquele garoto de olhos negros e dourados, porém a confusão e o medo prevaleceram sobre todas as outras sensações.

— Não vá embora. Se você estiver perdida, pode se unir à caravana e... — O Daki deixou a frase em suspenso.

Morga mandou Wapi partir a galope.

A silhueta da garotinha na garupa do avestruz sumiu entre as árvores da Floresta de Samhar.

Yhari olhou-a desaparecer como um fantasma tragado pelo gelo e pela neve.

— Nem sequer sei como ela se chama e para onde vai — murmurou, inebriado.

Absorto em seus pensamentos, ouviu as vozes de Gardênio e Horp, que o chamavam. Cilla sacudiu a cabeça, pronta para retornar à caravana. A cavalgada durou pouco e, ao se aproximar de Gardênio, Yhari pediu desculpas pelo comportamento bizarro da Piróssia.

— Não quero desculpas. O que aconteceu foi gravíssimo. Serunte nunca mais vai escolher você para acompanhar os carregamentos de mercadorias. Agora, fique calado e galope. — O U'ndário não lhe deu outras explicações.

Entrementes, Morga chegara em casa, onde fora acolhida pelo som das Sinfobaixas. Eremia encontrava-se no Panacedarium e estava fechando as caixas de Senthia. A garotinha, ainda perturbada pelo encontro com Yhari, largou Wapi no pátio e subiu as escadas como um raio: sentia a necessidade de se refugiar em seu quarto antes de ver o pai.

Eremia, ouvindo-a chegar, chamou-a.

Morga estacou na metade do primeiro lance e voltou, tentando ajeitar os cabelos ainda molhados de neve.

— Em vez de sair, você deveria ter usado as técnicas alienantes antes do encontro com o seu pai. Você não está apresentável! Enxugue pelo menos os cabelos! — mandou Eremia, observando-a da cabeça aos pés.

A garotinha mantinha os olhos baixos e sua respiração estava agitada. A Bramante afastou o Obolho, que esguichava o vapor costumeiro, aproximou-se de Morga e levantou a cabeça para fitá-la nos olhos.

— O que aconteceu? Você está emanando energias fortíssimas!

— Nada. Estou agitada por causa do meu pai. A caravana está próxima, e eu senti o cheiro dos Dromantes.

A resposta não convenceu Eremia de jeito nenhum.

— Não minta. É verdade que você encontrou aquele documento antigo e precisa falar com Serunte, mas eu acho que há algo mais. Diga-me!

— Seguramente, você tem muito mais segredos do que eu. Você é quem não disse toda a verdade durante esses anos! — A resposta de Morga feriu o orgulho da velha xamã.

— Ora, não seja insolente! — Eremia agarrou-lhe o braço, imobilizando-a.

— Usarei a alquimia do vento e as técnicas alienantes para manter o equilíbrio mental diante do meu pai também. Sei dosar minhas forças. Não é isto que está me preocupando — respondeu Morga num tom frio e sem nenhuma comoção.

O encontro com o Daki, a descoberta do documento de Dan Fhar e o diálogo que tivera com sua mãe haviam-na deixado completamente atordoada. Sentia-se como uma folha transportada por correntes de ar gélido.

A Bramante uniu as mãos como para rezar.

Fim da Sexta Parte.

Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora