1. A Confissão da Bramante Branca - Sexta Parte.

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Morga já não ficava impressionada com a sua careca brilhosa, mas aquele comportamento, que denotava certa tensão nervosa, era bastante estranho para uma Fhar tão poderosa quanto Eremia.

A garotinha permaneceu sentada no tapete e, com o rosto virado para o alto, observava-a prendendo a respiração.

— O Fhar que virá é Serunte, e foi ele quem deu a autorização para sua mãe vir. Isto é um fato extraordinário. Entretanto, Serunte não é somente o Guardião de Hamalios; o seu cargo mais importante é ser Chefe do Centro Cripto, para onde são levados os recém-nascidos. Por fim, como você bem sabe, a mensagem com a requisição de mercadorias para o Mosteiro sempre foi assinada pela responsável, outra Fhar, a Pramaga Smartika, que jamais permitiria que que outra pessoa encomendasse mercadorias ou ervas em seu lugar — concluiu Eremia.

— Você quer dizer que está realmente acontecendo alguma coisa grave? E o que isso tem a ver com a minha mãe? — Morga estava confusa.

— Sim. Está acontecendo alguma coisa muito grave na cidade de Áurea Nyos. E acho que Okrad, o Grão-Medônio, o Mestre de Vida, logo vai convocar todos os Fhar para o quingentésimo Conciliábulo na Megorá, o grande auditorium existente na sua torre.

— Explique-me... diga-me... — Morga levantou-se de chofre e agarrou uma ponta da roupa de Eremia.

— Não sei o que está acontecendo precisamente. Contudo, seguramente, Serunte não está vindo para cá somente pelo carregamento de especiarias. Ele está vindo por sua causa. — A Bramante acariciou a cabeça de Morga e sorriu.

A garotinha engoliu em seco, sentiu o sangue correndo mais veloz em suas veias e uma lufada de calor avermelhou suas faces sardentas.

— Por minha causa? Ele sabe que eu existo? – A garotinha permanecera boquiaberta, assombrada.

— Sim. Ele sabe. Ele sabe tudo. Você está pronta para escutar minhas palavras? O que vou dizer vai magoá-la. — A Bramante deixou Morga como que petrificada, dirigiu-se à cozinha, pegou a jarra ramada e verteu em dois copos de cristal fosco uma boa dose de Zafínia Soprada, uma bebida quente e muito preciosa obtida ao espremer as Cobaltas Esferiosas, bagas azuis que cresciam uma vez a cada trinta anos. — Beba. Mesmo que seja forte para a sua idade, isto lhe fará bem. Tempera os nervos e fortifica o coração — disse Eremia, estendendo-lhe o copo fumegante.

Morga tomou um gole e sentiu a garganta arder.

— Beba tudo! Vai ajudá-la — exortou-a a velha xamã.

A garotinha fechou os olhos e engoliu tudo, enquanto Wapi olhava, preocupado. O Piróssio aproximou-se, alongando o pescoço, para cheirar o que ela estava bebendo.

Eremia afastou-o com delicadeza:
— Vá deitar na esteira; não é hora de brincar.

O avestruz move-se de forma engraçada, tentando não derrubar alguma vela com seu corpanzil, e se agachou, mantendo a cabeça alta e o olhar dócil. Morga tossiu duas vezes; aquele suco tinha ótimo sabor, embora queimasse como fogo. Parecia-lhe que seu estômago ia explodir, um calor infernal atravessou todo o seu corpo e até suas faces tornaram-se vermelhas como as paredes da sala.

— Bem. Agora, venha aqui para o meu lado. Vamos nos sentar no tapete. Eu vou falar e você vai ouvir bem atentamente. — A Bramante acomodou-se, ajeitando o seu longo vestido branco, e Morga posicionou-se de frente para ela.

— Quem é Serunte? É um Fhar bondoso... como você? — perguntou, cheia de curiosidade.

— Serunte é um ano mais novo que eu: tem 531 anos. Nós nos conhecemos desde que éramos muito jovens. Ele é um mago competente, perito em Medicina Kármica. — Eremia foi logo interrompida.

— Medicina Kármica? Eu conheço algumas fórmulas, as que estão escritas no Plantarium — acrescentou a garotinha, com certo entusiasmo.

— Exatamente. Serunte conhece muitas mais desse tipo, que ele criou. É um Fhar poderoso, intuitivo, sério e de gênio parecido com a casca das árvores nodosas. Ele sabe se mostrar muito duro e impiedoso, porém também é leal. – Eremia tomou mais uns goles de Zafínia Soprada, e seus olhos perderam-se no fundo do copo como se as lembranças de sua juventude estivessem aflorando ali, uma após a outra.

Fim da Sexta Parte.

Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora