5. O Engano e a Verdade - Quarta Parte.

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A garotinha meteu a mão no panelão e pegou uma boa dose de creme, e então se virou para Wapi, que recuou, dobrando o pescoço. Ele estava assustadíssimo.

— Não tenha medo, as feridas vão sumir — tranquilizou-o, espalhando o creme sobre as plumas ensanguentadas e sobre a pele lacerada.

A queimação foi instantânea, e o Piróssio soltou um grito poderoso. Morga agarrou seu bico com a mão esquerda, fechando-o brutalmente.

— Você está querendo que todos os Dakis cheguem aqui correndo? Quer que eles descubram que eu faço magias?

— Que você exerce a magia não é mais um segredo. Pelo menos para mim.

A voz chegou por trás de Morga, que se virou sobressaltada.

— GARDÊNIO! — exclamou, levantando a mão direita, ainda suja de creme.

— Não sei se devo ter medo ou apoiar você. Eu sou apenas um pobre U'ndário, um utilmente perfeito, acostumado a servir os Fhar e trabalhar para os outros. Peço-lhe, jovem Maga do Vento, não me atire num abismo de problemas. Diga-me quem você é de verdade! — O barbudo ruivo estava com os olhos úmidos, e sua voz tremia.

— Você já sabe quem sou. Faça apenas o que Serunte mandar e verá que todas as coisas sairão certas — respondeu a garotinha, limpando a mão num pano.

Gardênio colocou na mesinha o embrulho que trouxera debaixo do braço, tirou a cartola coberta de neve e também o pesado sobretudo marrom.

— Não sei como você vai fazer para frequentar os outros Dakis e esconder da Pramaga Telkia os seus dotes. Somente os Fhar podem ser magos e alquimistas. Eles são eternos, e nós devemos respeitar a Imperalei para tornar-nos imortais como eles. Não podemos transgredir. — O U'ndário estava muito preocupado e tinha medo por Morga.

— Imortalidade? Eternidade? Caro Gardênio, se você ficar do meu lado, compreenderá por que eu uso a arte da magia alquímica, embora eu não seja Fhar. — A garotinha respondeu com tamanha segurança que lançou o U'ndário numa crise ainda mais profunda.

— Não fale assim. Não pode. Não entendo como pode ser possível que o grande Serunte se importe tanto assim com você. Claro, somos todos filhos dos Fhar, sem eles nós não existiríamos. Por isso, eu não entendo por que você duvida dos nossos Mestres de Vida. — Gardênio estava bastante irritado.

— É verdade, somos todos filhos dos Fhar e das Gestais. Pais e mães que não podemos conhecer. Mas eu, eu sei. Conheço quem me gerou. — A resposta foi fria e decidida.

— Você sabe? Mas não se deve saber. É perigoso saber de quem somos filhos; daí surgiriam preferências e sentimentos que desestabilizariam a coletividade inteira. — O barbudo ruivo estava confuso.

— O perigo consiste justamente em não conhecer e não saber. Somente o amor leva à verdade. — A frase da Maga do Vento atingiu o incrédulo Gardênio como um soco.

— O amor é proibido. O amor provoca lutas e ódio. O amor não serve para nada. Você está dizendo coisas muito graves. — O U'ndário cambaleou, e suas pernas fraquejaram tanto que precisou sentar-se.

— Gardênio, eu lhe peço, não torne tudo ainda mais difícil para mim. Serunte vai lhe explicar. — Morga compreendeu que não podia dizer mais nada.

O barbudo ruivo baixou a vista e percebeu que havia um livro apoiado sobre a bolsa de viagem de Morga. Estava aberto na página dos Ambalis.

— O que está escrito ali? Esses são signos sagrados usados pelos Fhar; salvo engano, são números mágicos, e eu os vi gravados em várias paredes das torres de Áurea Nyos.

Morga suspirou.

— Sim. São números mágicos. Mas não seja tão curioso — respondeu voltando a guardar o livro dentro da sacola.

Gardênio não ousou fazer mais perguntas; jamais poderia imaginar ter esse tipo de conversa com uma garotinha. Pondo-se sério, falou:
— É melhor falar de outra coisa. Olhe o que eu trouxe para você.

Fim da Quarta Parte.

Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora