8. Heimfra e o Código Sagrado - Quarta Parte.

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— E ninguém sabe que vocês desceram nas vísceras de Emiós — indagou a xamã.

— Gardênio nos ajudou. Mas ele é confiável — esclareceu Horp.

— Quando estávamos na metade do caminho, fomos atacados por quatro vermes gigantes que devoraram os Piróssios de Horp e Drima. — Morga apertou Wapi contra si e não falou mais nada.

A Bramante voltou a gemer e disse, com voz profunda:
— Vocês se arriscaram muito. Mas como fizeram para se defender?

Yhari interveio, enchendo o peito para demonstrar sua coragem:
— Morga usou a magia do vento e nós arremessamos pedras e seixos contra os vermes.

Eremia sacudia a cabeça.

— Vocês devem estar cansados e esfomeados. Sigam-me sem fazer barulho.

Mas, mal ela terminou de falar, Wapi emitiu um lamento estridente: estava excitado por rever a anciã e queria contar-lhe o horror que fora assistir à morte dos dois Piróssios devorados pelo verme. Porém, bastou que ela lhe lançasse um único olhar severo para que o avestruz batesse com as asas em sinal de respeito.

Uma senda estreita de pedras azuis recoberta por uma espessa camada de gelo levou-os exatamente até uma das primeiras torres. O Obolho de Eremia e o de Morga pararam a meia altura como se uma poderosa energia os tivesse bloqueado. Com efeito, todos os lampiões de Áurea Nyos acenderam-se de chofre, criando ondas magnéticas que interceptavam qualquer objeto voador: o manto de neve brilhou sobre os reflexos das luzes brancas e rosa. A Bramante deu algumas sacudidas nos dois Obolhos, que voltaram a esguichar vapor e, depois, virando-se para os garotos, disse:
— Apressem-se, a iluminação noturna não ajuda. As Sentinelas podem nos ver com maior facilidade agora. — Eremia encostou-se no pesado portão de madeira no qual havia uma grande maçaneta de ouro, empurrando-o: estava aberto.

Ficou alarmada com um ruído, agarrou os garotinhos um a um e lançou-os para dentro com uma força insuspeitada por causa de seu porte esguio. O Obolho de Morga deu uma guinada veloz, seguindo a jovem maga para o interior da torre. Cilla e Wapi saltitaram assustados, espremendo-se para passar pelo portão alto e estreito. Foi por um triz.

As duas maléficas Sentinelas de Okrad chegaram voando sobre o manto nevado, e seus olhos verdes fluorescentes fitaram a Fhar.

— Estou indo ao primeiro andar da torre de Telkia para preparar a cerimônia fúnebre. Vocês podem ir fazer seus controles em outra parte, eu preciso ficar sozinha — disse a Bramante, que não deixava transparecer nenhuma agitação.

As Sentinelas pediram desculpas pela brusca intromissão e partiram. Somente uma se virou, desconfiada: havia percebido algumas plumas amareladas de Piróssio logo na soleira do portão. Eram de Cilla. Eremia pisou nelas, torcendo para que a criatura de fumaça não voltasse atrás para pedir explicações, pois, efetivamente, era proibido o ingresso de avestruzes em Áurea Nyos.

E assim foi.

A Bramante Branca fechou o portão e acendeu magicamente as tochas do suntuoso hall de entrada com um gesto suave da mão direita. As paredes arredondadas da torre eram amarelo-ouro, o piso negro e enceradíssimo era parcialmente coberto de pesados tapetes cor de amaranto. À esquerda, uma abertura em arco levava a um aposento escuro; uma gigantesca ampola cheia até a metade com um líquido verde no qual se agitavam minúsculas bolhas brancas sobressaía-se à direita.

— Esta é a torre de Telkia, que, como vocês sabem, morreu. O corpo dela encontra-se no andar de cima, na Extânima, a câmara de adormecimento. Telkia jaz na Cuba Biomágica. As Sentinelas da Pramaga estão do lado de fora em vigília com as outras e, portanto, ninguém vai nos perturbar — relatava Eremia enquanto subia a escada de mármore negro em forma de caracol.

— Mas... você vai nos levar logo ao primeiro andar? Para a Extânima de Telkia? — perguntou Morga.

— Claro. A câmara de adormecimento é iluminada por tochas, e quem checar pelo lado de fora não poderá suspeitar de nada. Das outras torres poderão ver que estou aqui preparando a cerimônia fúnebre a mando de Okrad. Portanto, vocês devem me seguir sem fazer muitas perguntas. — Eremia estava bastante inquieta. E tinha razão de sobra para isso.

Yhari, carregando a bolsa de viagem no ombro, fez um sinal para os Piróssios pararem perto do portão de entrada, e ambos obedeceram, deitando-se um ao lado do outro. O calor que emanava das Conduturas Cobríficas estava normal, e as numerosas lareiras estavam acesas. A perna do garoto ainda se encontrava gelada, porém o músculo da coxa se recuperava lentamente.

Drima pegou Horp pela mão, e o garoto olhou para ela, espantado:
— Você está com medo?

— Sim, muito. Nunca vi um morto. E nunca imaginei vir para cá. A Pramaga Telkia nos guiou e ensinou tantas coisas na Colônia Briosa, ela era severa, mas... — explicava a jovem Ancilante, com voz fina.

A Bramante parou no último degrau da escada em caracol e, sem se virar, respondeu para Drima:
— A morte não pertencia a nós, Fhar. Mas nada no mundo pode ser eterno. Agora, a realidade encontra-se diante dos nossos olhos.

Morga anuiu, Horp coçou os cabelos crespos e lançou um olhar para Yhari, que nem sequer pestanejou. Eremia encaminhou-se para o quarto de Telkia, seguida por Morgado. Os outros subiram lentamente: era a primeira vez que entravam numa Extânima.

O ar estava impregnado de incenso e havia centenas de pequenas e grandes velas acesas no chão. Num canto ardia um fogo, numa lareira ao lado da qual estavam jogadas almofadas vermelhas e amarelas. A Cuba Biomágica encontrava-se no fundo do aposento, ao lado da cama de dossel. A tampa estava levantada, mas nenhum vapor escapava dela. O corpo da Pramaga Telkia se achava bem visível, envolvido numa capa ocre e calçando sapatos de cristal. Os braços estavam cruzados e as mãos apertavam a placa sobre a qual estava gravada sua inicial. Usava um chapéu com uma barra transversal. Seu rosto, coberto pela Kaplá, permanecia misterioso até na morte.

— Felizmente, vocês não podem ver seu rosto. O vírus provocou marcas horríveis — explicou a xamã, aterrorizando os garotinhos.

— Que marcas? — logo quis saber Morga.

Fim da Quarta Parte.

Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora