4. Os Ambalis e a Antiga Profecia - Oitava Parte.

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— Seu pai acabou de me enviar uma breve mensagem que espero não ter sido interceptada pela Pramaga Telkia e pelos outros Fhar.

— Pramaga Telkia? — Morga arregalou os olhos; jamais ouvira falar nessa Fhar.

— Telkia é a responsável pela Colônia Briosa e pela cidade de Karash. Ela tem 551 anos e é muito severa. É temida por todos os Dakis — explicou Eremia.

— Então, ela vai me notar — alarmou-se a garotinha.

— Se você se comportar como todos os outros, tudo correrá bem. As Sentinelas dela a ajudam a inspecionar as moradias dos Dakis, e, portanto, você vai precisar esconder muito bem os documentos e os objetos mágicos. — A xamã passou as mãos sobre a cabeça calva e acrescentou: — Agora, prepare-se para a viagem, seu pai manda dizer que você deve ir até a cascata do rio Hamandor. Gardênio, um U'ndário de confiança que sabe da sua chegada, esperará por você lá.

— Gardênio sabe quem sou? — perguntou a jovem maga com surpresa.

— Não, ele somente sabe que você é uma Daki que está indo à Colônia Briosa. Vocês vão chegar de noite e ele vai levar você diretamente para o seu apartamento, sem que Telkia e os outros garotinhos a vejam. Gardênio está acostumado a cumprir as ordens de Serunte; você vai ver, ele não vai fazer perguntas. — A Bramante Branca acariciou-lhe os cabelos.

A garotinha abraçou-a com muita força, e Eremia permaneceu imóvel como uma pedra de gelo. Não estava acostumada a gestos de carinho, mas semicerrou os olhos sem se rebelar.

— Eu a quero bem, Eremia. Você é uma segunda mãe para mim. — Morga esfregou o rosto no vestido alvo da xamã.

— Eu também, Morga. Eu também quero bem a você. — Com um fio de voz que expressava todo o sentimento escondido e renegado durante séculos, a velha Fhar pegou a jovem maga pelos ombros, a afastou do seu corpo antigo e olhou-a nos olhos. — Tome, você estava esquecendo o Creme Antalgia. Sabe muito bem que deve passar isto no rosto e nas mãos para protegê-lo do gelo. E vai fazer bastante frio.

Morga fitou a velha Fhar, pegou o pote e espalhou a Antalgia transparente nas faces. As sardas roxas brilharam, e ela fitou Eremia durante mais um segundo. Depois, veloz como um raio, correu em direção a Wapi sem dizer mais nada. Saltou-lhe na garupa, ajeitou a bolsa de viagem a tiracolo e puxou as rédeas com força. O Piróssio balançou o pescoço e partiu, afundando as patas na neve. A garotinha não se virou. Mas sentiu o olhar orgulhoso e comovido de Eremia, que a seguiu até onde terminam as árvores.

O Obolho de cristal voava e oscilava seguindo a Maga do Vento. O sol e as duas luas já estavam altos, e o silêncio da Floresta de Samhar foi rompido pelos ruídos da Imperfeita.

Quando Morga chegou à altura de sua querida árvore nodosa, mandou Wapi parar. Apeou num salto, acariciou a casca da Quercus Alba, trepou nela agarrando-se aos galhos e, ao chegar ao topo, observou o oceano Orhanto. A água estava sempre escura e chata, sem uma onda sequer. No fundo, recortada contra o horizonte, a ilha Límbia parecia um tufo de verdura. O mero pensamento de que naquele atol a morte reinava sobre todas as coisas lhe deu calafrios. A raiva condensou-se em sua garganta e, mais uma vez, o brado da Maga do Vento espalhou-se pela floresta.

Morga apertou o Gual contra o corpo e, embora não soubesse para que servia a chave com o código sagrado da Lei Cósmica, jurou aniquilar o Mal dos Fhar ao custo da própria vida.

O destino da profecia não podia mudar: a Imperfeita devia iniciar sua duríssima luta contra a loucura dos Mestres de Vida.

Montou Wapi outra vez, puxou as bridas com força e dirigiu-se para a Cosmogonia Rochosa a galope. A viagem durou muitas horas e, durante todo esse tempo, Morga pensou em Eremia e em seus ensinamentos. Recordou-se do rosto de seus pais e esperou poder revê-los juntos um dia e abraçá-los sem mais temores e segredos.

A garotinha chegou à cascata do rio Hamandor no momento em que o sol e as duas luas se punham; os reflexos dos raios que se extinguiam brincavam com as nuvens inchadas de neve. A cascata rumorejava e sua água caía sobre os blocos de gelo que boiavam no rio. A paisagem era encantadora, e tudo estava imerso no branco da estação Invéria. Wapi estava muito cansado e deitou-se, e Morga sentou-se ao seu lado, segurando firmemente a bolsa de viagem a tiracolo. A temperatura estava baixíssima, as margens do rio estavam recobertas de gelo e cristais, nem um fio de capim despontava do solo coberto de neve. A garota esperou a chegada de Gardênio com o macacão térmico fechado até o pescoço e as mãos e o rosto protegidos pela Antalgia, torcendo para que não começassem a cair flocos de neve.

Assim que ouviu barulho, empurrou a ponta de prata do Gual para o interior da esfera, e o Obolho tornou-se transparente. Unicamente um leve vapor permaneceu suspenso no ar.

O U'ndário chegou em passos lentos, enfiando seu Corcundoso nos montes de neve. Sua barba ruiva estava completamente congelada, e de sua cartola pendiam finíssimas estalactites.

A garotinha saltou em pé, tremendo de frio, e Wapi levantou o pescoço. Gardênio olhou-os preocupado e, tossindo, perguntou:
— Você é Morga?

A jovem maga balançou afirmativamente a cabeça, sem dizer uma palavra. Seu coração estava a mil, era a primeira vez que falava com um U'ndário.

— O exímio Serunte me deu ordens para acompanhar você até a Colônia Briosa. Antes de começar a viagem, acho melhor descansar um pouco. — Gardênio desejava parar e acender um fogo. Havia demasiadas horas que ele caminhava sem repouso e, embora seu grosso suéter de lã o aquecesse bem, a friagem era tão penetrante que corria o risco de comprometer a sua saúde.

O U'ndário olhou de soslaio para o Piróssio branco, lembrou-se perfeitamente de tê-lo visto no pátio da casa da Bramante Branca, e este detalhe o deixou curioso. Ele sabia que não podia fazer perguntas à Daki, mas reparou que a garotinha era realmente estranha. Tímida e de olhar orgulhoso.

Morga colocou a bolsa de viagem que carregava a tiracolo, no chão, e catou umas madeirinhas molhadas que havia na neve. Gentilmente as levou para Gardênio fazer uma fogueira, mas o barbudo ruivo desatou a rir.

— Decerto não se pode acender um fogo com isto. Precisamos de algo bem diferente.

O U'ndário levantou seu longo cajado e com golpes certeiros quebrou alguns galhos de árvores, que caíram na neve.

Fim da Oitava Parte.

Fim da Oitava Parte

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Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora