1. A Confissão da Bramante Branca - Nona Parte.

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— E minha mãe? Ela vai me dar outras explicações?

— Pode ser. Mas, agora, não posso mais conversar com você. Preciso terminar as poções de Senthia. Você me ajuda? — Eremia permaneceu sem expressão alguma, mas os seus olhos estavam vermelhos e irritados.

Morga compreendeu que a Bramante estava com vontade de chorar, mas não conseguia. Jamais lágrima alguma molhara o seu rosto.

Não disse nada, apenas abriu o armário e pegou cinco frasquinhos cor-de-rosa.

— Estou pronta, vou enchendo estes.

Com segurança, apertou o tubo ligado ao Rôndolo, uma grande vasilha em forma de ovo com caracóis de vidro mole, e soprou dentro dele algumas vezes. Depois, acoplou um dos caracóis ao instrumento moldado em forma de trombone, o Suflio, e a substância alquímica percorreu-o velozmente, dando a volta completa.

— Você já se perguntou por que somente nós, os Fhar, bebemos a poção de Senthia e todas as caixas acabam exclusivamente em Áurea Nyos? — indagou a Bramante, segurando as folhas douradas entre as mãos.

Morga franziu os lábios e sacudiu a cabeça.

— Estas folhas obtidas das raríssimas árvores de Senthia contêm ouro vegetal puríssimo. Têm o poder de parar o envelhecimento do corpo. — A explicação de Eremia gelou o sangue de Morga nas veias.

— É uma fórmula para a imortalidade? — A garotinha compreendera imediatamente.

— Sim. É um procedimento alquímico secreto. — A Bramante picou as folhas e enfiou-as nos frasquinhos. — Por enquanto, nós estamos conseguindo viver por longuíssimos anos, mas eu estou estudando a fórmula exata e definitiva para nos tornarmos imortais. Espero que você esteja ciente de que o que estou contando é altamente confidencial. Mas você tem de saber disto.

Eremia pegou quatro frasquinhos e abriu a torneira do Suflio, de onde a substância alquímica gotejou lentamente. Com destreza, ela fechou os frasquinhos com uma tampa de Bronze Ofuscado e trancou-os num recipiente de ferro, que selou com cola de Veneno Trismônio. Então, ela colocou o quinto frasquinho sobre a mesa, pegou um conta-gotas com o qual aspirou um pouco do líquido oleoso, abriu a boca e verteu duas gotas na língua.

— Pronto. Nós, Fhar, devemos tomar apenas duas gotas diariamente. Isto nos preserva da morte. — Os olhos avermelhados de Eremia fitavam Morga, que permanecia muito séria.

— Mas você envelheceu. E os outros Fhar também estão cheios de rugas. — A observação da jovem dos cabelos negros arrancou um sorriso de Eremia.

— Não. Os outros Fhar têm o aspecto jovem, quase todos demonstram ter 35 ou 40 anos, no máximo 50. Somente Okrad, o Grão-Medônio, tem um pouco de rugas e não pode dissimular seus 66 anos. Cada um de nós começou a tomar Senthia quinhentos anos atrás. Eu e seu pai somos os mais jovens. E, para manter o rosto sem rugas, para parar o tempo, eles usam a Kaplá, a máscara de ferro e gelo sâmico, que é um gelo que não derrete nunca e não enregela a pele. Eu decidi não usá-la porque desejo que o tempo marque meu rosto. Não tenho medo da velhice. — A explicação da Bramante não convenceu Morga.

— Mas, se você não usa a Kaplá e está envelhecendo, então qual é o sentido de alcançar a imortalidade? Você quer morrer? — A garotinha sentia-se pouco à vontade, embora compreendesse perfeitamente que aquela conversa era fundamental.

A Bramante estava lhe revelando o segredo da potência dos Fhar, esse poderio que mantinha o povo inteiro de Emiós submisso. Os U'ndários, os Dakis, as Gestais e as Ancilantes acreditavam piamente na eternidade absoluta dos Fhar, e era por esse motivo que jamais haviam se rebelado contra a Imperalei.

— Desde o início eu quis viver aqui, longe de Áurea Nyos, e os demais Fhar consentiram. Como você sabe, eu cuido do cultivo de muitas plantas mágicas, e sem mim eles não poderiam criar as infusões e poções que lhes permitem viver tanto tempo. — Eremia pegou duas hóstias de Algodão Cromado e esfregou-as sobre os olhos, que se tornaram límpidos.

— Então, você está enganando os outros Fhar! Você não quer ser imortal! — Morga apoiou-se na mesa e olhou para todos os instrumentos do Panacedarium. Sua mente foi atravessada por uma intuição: Eremia seria uma subversiva?

Fim da Nona Parte.

Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora