3. Os Olhos de Yhari - Quinta Parte.

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— Eu não vou embora! Estou com a caravana do Fhar Serunte e estamos indo à casa da Bramante Branca buscar o carregamento de mercadorias! Minha Piróssia Cilla perdeu a cabeça, mas agora vou me juntar aos outros. — Yhari continuou a falar, circundando a árvore para tentar ver melhor aquela garotinha solitária.

— Vá embora, já falei! — repetiu Morga.

— Mas o que você está fazendo aí em cima? Será que você fugiu da Colônia Briosa? — O garoto agarrou o tronco da Quercus Alba e tentou sacudi-lo.

— Eu não falo com desconhecidos. — A Maga do Vento estava aterrorizada, mas não queria dar mostras disso. O coração subia-lhe pela garganta e, ao debruçar-se para ver melhor o Daki, desequilibrou-se. Voltou a agarrar-se aos galhos molhados e escorregadios, mas suas mãos se soltaram e ela caiu. Como a neve.

Yhari teve a presença de espírito de abrir os braços e agarrou-a no ar. As mãos do garoto apertaram-na com força: Morga ficou à mercê do Daki louro e corajoso.

Descabelada e com a respiração agitada, ela fitava aquele rosto tão próximo ao seu, tanto que podia sentir seu hálito. Naquele exato momento ergueu-se uma onda de vento, e uma poeira de finos cristais de gelo envolveu-os como num cândido abraço.

Uma poderosa música penetrou nos nervos e no sangue de Morga. As notas enchiam apenas sua mente: era a música do vento. Era a força de uma antiga natureza humana que se manifestava como um furacão de sentimentos. As sensações que experimentava eram indescritíveis: o perfume da pele de Yhari misturou-se ao dela. E também os olhos, aqueles olhos negros rajados de ouro que a olhavam intensamente, emitiam uma energia desconhecida que a arrebatava como uma cálida maré.

Sentiu-se perdida, leve, fascinada por um vento novo que ela não sabia domar.

A troca de olhares entre eles durou poucos segundos, que pareceram eternos.

As luminosas pupilas de Morga dilataram-se tanto que Yhari sentiu o sangue subir-lhe à cabeça. Jamais acontecera-lhe algo parecido com as outras garotinhas da Colônia Briosa. Nenhuma Daki já o fitara daquela maneira. Era um olhar meigo e assustado, que expressava desespero e surpresa. Ele observava curiosamente a pele alva e as sardas roxas, e só podia pensar uma coisa: aquela garotinha era muito bonita.

O encanto daquele encontro imprevisto terminou assim que os flocos pararam de cair. O vento de Morga voltou a sussurrar entre os galhos, transportando tensões e temores. Sob os tímidos raios do sol e os reflexos das duas luas, os garotinhos sentiram seus corações baterem próximos.

Morga sentiu um forte constrangimento e se desvencilhou.

— Deixe-me! Não me toque! Ponha-me no chão!

Yhari soltou-a delicadamente, sem dizer uma palavra.

De pé, a garotinha cobriu a cabeça com o capuz preto. Depois, virando-se para Wapi, pegou as rédeas, segurando-as firmemente. O avestruz fechou o bico e ficou saltitando nervosamente diante de Cilla, que inclinou o pescoço, pestanejou e retrocedeu, temerosa.

Yhari não se moveu nem um 1 milímetro e, olhando a garotinha de costas, observou seu corpo esguio apertado dentro do macacão térmico.

— Você não quer me dizer quem é nem o que faz aqui? — perguntou pela segunda vez.

— Não posso — retrucou Morga com um fio de voz; ela ainda ouvia a poderosa música ecoando em sua cabeça.

Yhari estendeu o braço direito e apoiou a mão em seu ombro para forçá-la a se virar para ele.

Morga afastou-se bruscamente.

— Eu falei para você não me tocar! — exclamou, montando em Wapi.

— Eu me chamo Yhari, tenho 14 anos. Diga-me pelo menos o seu nome. — O garotinho olhou-a novamente direto nos olhos.

— Faça de conta que você nunca me viu. — Morga puxou as rédeas, Wapi estava pronto para partir.

Mas ela não partiu. O avestruz também ficara impressionado com a Piróssia cheia de vida, e, antes de empreender a corrida para casa, abriu novamente o bico e emitiu um grito eloquente, que fez estremecer as plumas amarelas de Cilla.

Fim da Quinta Parte.

Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora