6. O Mapa e as Poças de Esmerilha - Quarta Parte.

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Os quatro jovens marcharam em direção ao centro da cidade com os capuchos negros puxados sobre os olhos. Drima indicou uma ruazinha.

— A loja da qual eu estava falando fica ali no fundo.

Morga sentia-se atraída pelas músicas que provinham dos estabelecimentos próximos, apinhados de garotos e garotas. Alguns jogavam em máquinas cintilantes que simulavam lutas com animais ferozes, algumas Ancilantes dançavam graciosamente, outras bebiam enormes copos de sucos de frutas e algumas Dakis, seguramente futuras Gestais, embelezavam-se com pós e perfumes. No fundo da ruazinha, depois de dois armazéns de roupas e calçados gerenciados por U'ndários, via-se uma chama que ardia dentro de uma esfera de vidro azul. O letreiro não estava iluminado como os outros, mas Morga conseguiu discerno-ló logo e ficou fascinada pelos dizeres gravados numa placa de cobre: ANTIGUIDADES E JOIAS RARAS.

Acuados pelo frio, entraram e, assim que a porta voltou a se fechar, um sininho tocou. Uma Ancilante bastante alta e muito magra saiu do aposento contíguo à loja. Assim que viu Drima, sorriu.

— Oi, que bom rever você. E você até trouxe os seus amigos — saudou-a aproximando-se do balcão de madeira.

Os garotinhos cumprimentaram-na tirando os capuchos, e a Ancilante os fitou com seus olhos cor-de-rosa transparentes.

— Bem-vindos, eu sou Pliope e tenho 40 anos. Gerencio esta loja alternadamente com uma Gestal que vai chegar daqui a alguns dias. Fiquem à vontade para olhar, tenho certeza de que vão encontrar coisas interessantes.

Yhari e Horp, que nunca haviam estado naquela loja, dirigiram-se para uma grande cesta repleta de peças sobressalentes de velhas Kombas. Drima permaneceu encantada diante das pequenas vitrines reluzentes de anéis, broches, colares e pingentes. Morga, porém, logo perguntou a Pliope se havia livros antigos.

— Livros? Tenho poucos e estão cheios de pó. Não tem muita saída; de qualquer jeito, naquele canto há uma arca; talvez você encontre nela o que procura — indicou Pliope.

Drima desviou os olhos das joias e seguiu Morga.

Ao abrirem a arca, as duas garotas viram-se diante de uma montanha de papéis amarelados provenientes das Fábricas Côncavas, que datavam de pelo menos duzentos anos. Afundando as mãos entre as folhas, elas tentaram chegar ao fundo da caixa. Drima repetia incessantemente que vira pelo menos alguns livros sobre lendas. Morga descobriu documentos do Mosteiro de Hamalios contendo receitas de beleza e alguns pergaminhos da cidade de Mantrakor em que se elogiavam algumas Gestais pela sua excelência no cultivo de flores. Por fim, a jovem maga achou dois livrinhos do ano 320: tratava-se dos manuais para as competições dos pratinhos de Ômbria. Folheou-os, divertida: havia desenhos e fotos que mostravam os Dakis durante as competições dos grandes cogumelos venenosos.

— Você também participou da competição? — perguntou a Drima.

— Claro, mas eu jamais ganhei. É preciso saber usar as correntes de vento para voar com os pratinhos, e eu não sou muito boa nisso — respondeu a jovem Ancilante.

— Correntes de vento? Bem... então eu não vou ter problemas quando for competir. — Comentou em voz baixa.

Drima semicerrou os olhos e sorriu.

— Pois é, você é a Maga do Vento, ninguém pode ser melhor que você. O vento sopra e muda as coisas, até as pedras tornam-se rosas.

Morga sorriu.

— Você decorou a estrofe de minha poesia?

Drima baixou a cabeça.

— Sim, é muito bonita. E essa frase me tocou o coração.

Os olhos de Drima eram cor-de-rosa, sua voz, suave, a cabeça, calva, e o aspecto, meigo e frágil... mas a Daki Ancilante havia pronunciado a palavra "coração", e Morga compreendeu que os sentimentos eram uma arma poderosa contra os Fhar. Ela pensou que a magia do vento derrotaria a nulidade árida dos espíritos que queriam se tornar imortais. A profecia não podia estar enganada.

Voltou a revistar o conteúdo da arca enquanto sua mente vagava, lembrando-se do período de solidão passado junto aos galhos nodosos da grande Quercus Alba. No meio da papelada, entreviu alguns livros. Pegou um de capa cinza, cujo título estava parcialmente coberto por uma mancha preta. A única letra que se podia ler nitidamente era a primeira: um T.

Fim da Quarta Parte.

Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora