2. As Lágrimas da Gestal - Décima Primeira Parte.

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Uniram-se novamente num abraço. Mas aquele momento de ternura estava prestes a terminar; o tempo tornava a apressar a Gestal. Juntas, encaminharam-se para a casa e, curioso, Wapi olhou-as de esguelha enquanto elas entravam.

As Sinfobaixas giravam e tocavam. Eremia estava no Panacedarium com a porta fechada. Ouvia-se um murmúrio proveniente do primeiro andar, onde Sasima e Mesia conversavam, acomodadas nas confortáveis poltronas do grande salão vermelho.

— Vocês estão aqui. Muito bem. Eremia está no laboratório; está fechando os recipientes de Aloe Feixosa, e espero que ela não encontre problemas para fazer o carregamento de Raízes Roxas entrar na caixa. — A Ancilante levantou-se, permanecendo a poucos passos de distância de Morga.

A garotinha olhava-a fixamente, impressionada pelos seus olhos cor-de-rosa, embora Mesia não tivesse absolutamente aspecto assustador.

Animea percebeu o estupor da filha e, com delicadeza explicou que Mesia era uma boa amiga e uma Ancilante que sabia guardar segredos, como Sasima.

— Não tenha medo, eu respeito sua mãe e sei que você não a decepcionará.

Essas palavras fizeram com que Morga sentisse todo o peso de sua diversidade.

— Eu sou a única Imperfeita em Emiós? — perguntou à queima-roupa.

Animea levou a mão direita ao coração e sentiu-se desfalecer; Sasima ergueu-se da poltrona e foi se postar ao seu lado, enquanto a Ancilante baixava os olhos. Eremia já explicara para elas que Morga sabia que Serunte era seu pai.

— A Bramante Branca disse a verdade para você. Tenha mais um pouco de paciência; amanhã você vai saber mais. Certamente, Serunte não quer o seu mal. — Sasima apertou o braço de Animea, que não sabia mais o que dizer, com os olhos afogados de angústia

Sasima continuou a falar à garotinha de forma pacata e firme:
— Você é filha de um Fhar e uma Gestal, como todos nós. Como todos os outros Dakis. Mas nenhum de nós nasceu por amor. Animea e Serunte, porém, se amam de verdade. É este o motivo pelo qual você nasceu com sentimentos e sensibilidade, coisas que são proibidas por serem consideradas imperfeitas e prejudiciais pelos Mestres de Vida. Você não deve se sentir rejeitada. Você sabe usar a magia do vento, e nenhum de nós tem os dotes que você possui. Sua mãe lhe quer bem, nós também...

A Gestal não concluiu, sendo logo interrompida por Morga:
— Ela me quer bem? Talvez seja assim. Mas eu não aguento mais viver longe de todo mundo. Não tenho amigos. Ou melhor, o único que eu tenho é Wapi, um Piróssio que realmente gosta de mim — disse, apagando a chama de uma vela com dois dedos.

A música alquímica das Sinfobaixas estacou. Eremia apareceu atrás de Morga.

— Você não está sozinha com Wapi. Você realmente não dá a menor importância para mim? — A Bramante estava bastante ressentida e afastou o Obolho, que a seguia, com um movimento brusco da mão.

— Eu não queria dizer... — A garotinha calou-se.

— Entendemos muitíssimo bem os seus medos e as suas dúvidas. Mas você compreende ou não que nós a estamos protegendo? Sua mãe se arriscou muito ao vir para cá. — Eremia estava sofrendo, e esta sensação a arrastava centenas de anos para trás, fazendo-a reviver o sabor de uma vida que já não existia.

A Ancilante aproximou-se de Morga e, com infinita tristeza, disse-lhe:
— Eu gostaria tanto de ter filhos, mas a minha natureza não o permitirá jamais. A exemplo das U'ndárias, nós, Ancilantes, somos estéreis. Existimos apenas para acudir as Gestais e sermos úteis. É a Imperalei dos Fhar que nos impõe isso.

Sasima e Animea permaneciam abraçadas. Morga se deu conta de que o mundo lá fora, longe da casa da Bramante Branca, era difícil, cínico e cruel. Confusa e aflita, abriu os braços.

— Assim, Emiós é um mundo em que não existe amor. Nenhuma magia, nenhuma alquimia pode mudar isso?

Não obstante, nem sua mãe, nem Mesia ou Sasima podiam responder a essas perguntas.

Fim da Décima Primeira Parte.

Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora