Morga abriu rapidamente a terceira portinhola do Obolho. Por sorte, Eremia inserira nela o musgo colorido com os frutos de Gnidium, elemento alquímico indispensável para produzir a Plúvia Áxia, a magia do Vento d'Água que provocava uma chuva ácida e corrosiva. Mentalmente, rememorou a sequência das fórmulas escritas no Flatus.
Pegou o musgo entre as mãos e soprou sobre ele quatro vezes. Em poucos segundos, uma nuvem negra formou-se bem acima da fera.
— Mexam-se, venham para o meu lado — gritou com todo o fôlego de que dispunha.
Wapi meneou o pescoço, que agora estava lanhado pelas mordidas do Vrak, e Gardênio deu uma última paulada na barriga da besta, que não parecia absolutamente assustada.
— Mas o que você está fazendo? Que nuvem é essa? — vociferou o U'ndário barbudo, que já estava perdendo as forças.
— Venha para cá e afaste-se da fera — insistiu Morga, apertando os punhos.
A Maga do Vento inspirou profundamente, concentrando as forças da natureza que governavam o seu espírito e, no fim, berrou a plenos pulmões:
TOXICUM
O vento chegou como uma chicotada e redemoinhou, criando uma nuvem escura como a morte. A chuva ácida desceu copiosamente, corroendo o ar. A água maléfica molhou apenas o Vrak. Pingos negros se acumulavam sobre o seu focinho, sulcando o seu nariz e a boca suja de baba.
A besta começou a agitar-se e alcançou Morga com um salto longuíssimo. O monstro ficou bem à sua frente: ela podia ver as presas e os dentes pontudos, os artelhos brilhantes e afiados, os olhos roxos endiabrados e a saliva misturada com a chuva que pingava da boca, manchando a neve.
O animal estava pronto para hipnotizá-la com um único olhar, para depois esquartejá-la e mastigar sua macia carne branca.
Morga permaneceu imóvel; os seus olhos azuis imprimiram-se nos do Vrak. As pupilas da fera dilataram-se tanto que pareciam duas esferas encantatórias. Os olhos da garotinha também se arregalaram como janelas, rechaçando o magnetismo atávico do Vrak.
A fera não resistiu ao olhar da jovem maga, moveu a cabeça e começou a uivar pela dor provocada pela chuva ácida que estava corroendo o seu corpo.
O lamento aterrorizante penetrou nos ouvidos de Gardênio, que, incrédulo, permanecia com o Corcundoso apontado para o animal.
O pelo hirsuto da fera dissolveu-se, e na pele do Vrak surgiram queimaduras, bolhas e lesões profundíssimas. A Plúvia Áxia havia realizado seu efeito. Enquanto a nuvem negra ainda pingava, a fera afastou-se cambaleando, deixando o solo gelado apenas uma trilha de sangue e água preta. Ouviu-se um baque e um derradeiro grito: o Vrak desabou ao lado de uma pequena árvore nodosa. Exalou seu último suspiro com a boca escancarada, fechou os olhos e seu coração parou de bater.
Morga sentiu as pernas tremerem; era a primeira vez que matava um animal com a magia do vento. Apavorada, virou-se para Wapi. O avestruz acocorara-se ao lado do fogo, o sangue continuando a jorrar de seu pescoço ferido.
Gardênio jogou seu longo cajado no chão e, tocando em sua barba gelada, disse:
— Você me salvou a vida. Mas quem é você?— Sou Morga, a Maga do Vento. — A garotinha agarrou o Gual e apertou-o com força, enquanto o Obolho de cristal voava ao seu redor, esguichando vapor.
— Maga? Mas você não é Fhar! — O U'ndário estava fora de si, jamais vira semelhante prodígio. Somente os Mestres de Vida eram capazes de realizar magias extraordinárias.
Gardênio havia descoberto os poderes de Morga, e a garotinha ficou angustiada com isso. Não podia decerto contar a história enrolada e secreta de seu nascimento, nem revelar quem era seu pai ou a antiga profecia. Perturbada por mil pensamentos, lançou-se na direção de Wapi e colocou pedaços de gelo sobre as feridas, estancando o sangue. Em seguida, abriu a bolsa de viagem, tirou um velho cachecol cor-de-rosa e envolveu com ele o pescoço de Wapi.
Fim da Décima Primeira Parte.
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Morga - A Maga do Vento
FantasyAno 500. Planeta Emiós. Morga tem 12 anos, cabelos curtos - negros como piche -, o rosto salteado com sardas roxas sobre a pele branca e olhos azuis. Ela vive em uma casa escondida na floresta com Eremia - a Bramante Branca dos poderosos achar, gove...