Ela sabia captar e usar muito bem as energias graças ao seu instinto e às técnicas mágicas que a Bramante lhe ensinara. Morga tornara-se a Maga do Vento, e ninguém jamais poderia mudar o seu destino.
Naquela noite de lua azul, ela também transbordava de sensações fortes, o instinto prevalecendo sobre qualquer outra emoção. Com o nariz apontado para o alto, Morga inspirou os perfumes provenientes da Floresta de Samhar e deixou sua mente abrir-se às intuições, exatamente como fizera ao começar a escrever a poesia dedicada ao vento. Eram frases que evocavam um futuro distinto: O vento sopra, muda as coisas, até as pedras tornam-se rosas. Era costume de Morga recitar o início da poesia quando estava sozinha e, para invocar forças, ela pronunciou-o novamente, olhando para o horizonte.
Os brilhos azulados da lua minguante derramavam em todas as coisas um silêncio surdo e ameaçador. Havia também muitas mudanças de cheiro, muita tensão no ar. Morga mordiscou os pequenos lábios e inspirou, semicerrando os olhos. Com um gesto lento, levou a mão direita ao pescoço e abaixou um pouco o grosso fecho ecler do macacão térmico, que lhe envolvia o corpo como uma luva de verniz preto, voltou a olhar o Oceano Orhanto e pensou na sua solidão forçada.
— Um dia vou descobrir quem é meu pai! E ele vai pagar por isto! Se minha mãe me entregou para Eremia é porque ele não me quis. Ele não me aceitou — murmurou apertando os dentes, mas sem derramar uma lágrima.
Seu olhar tornou-se cortante, e ela fechou os punhos. Morga quis gritar para as estrelas, imitando aqueles animais ferozes que viviam nas montanhas altas da Cosmogonia Rochosa. Todavia, o grito congelou-se de chofre em sua garganta. Ela olhou para baixo, enfadada: o rápido tamborilar do bico de Wapi no tronco da Quercus Alba interrompera-a.
— Sim, já sei. Está tarde! Desço já... estou descendo, mas você pare de fazer barulho com esse seu bico! — resmungou nervosamente enquanto ia saltando de um galho sem folhas a outro.
Um último salto e a garotinha encontrou-se diante do seu amado Piróssio, uma espécie de avestruz com mais de 2 metros de altura e penas alvíssimas, longas e macias. Wapi era inteligente, veloz e sensível. Bastava uma troca de olhar para que ele e Morga se entendessem. Wapi estava com 4 anos e era um exemplar extraordinário e único: sua plumagem branca o distinguia de todos os outros Piróssios, que tinham cor de capim seco.
Antes de subir na garupa do seu amigo fofo, Morga agachou-se e, rezingando ainda, amarrou os longos cadarços das botas anfíbias, calçados pesados porém necessários para caminhar pelas trilhas da floresta. Bateu os pés no chão pedregoso, evitando as poças de água, e ergueu orgulhosamente as costas.
Estava pronta para voltar para casa e exigir explicações que lhe eram negadas havia anos.
Wapi arregalou os olhos cinzentos, abriu o bico e cuspiu uma fruta roxa. Dessa vez foi ele quem uivou em direção ao céu. Seu grito ecoou no silêncio da floresta.
— Pare com isto, você está louco? Agora, vamos. Eu também estou com fome! Esta noite você está realmente insuportável! — Morga agarrou-se aos cordões da sela e, saltando com elasticidade, subiu às suas costas. Puxou as rédeas amarradas ao pescoço de Wapi, que partiu como um raio, movendo as pernas de uma maneira estranhamente ondulatória.
A Maga do Vento deixou-se balouçar, inclinando a cabeça para trás: ficar com os olhos voltados para o céu com a brisa úmida que lhe passava pelos cabelos era como um remédio para acalmar sua ira. Ela lançou um último olhar para sua árvore nodosa e olhou de relance os maciços petrificados de plantas antigas mais adiante, e inalou mais uma vez os perfumes que emanavam dos Papáveros Somniferis e das folhas de Adormida Branca que envolviam a vasta floresta, que se transformara no cerne de suas esperanças.
A corrida do Piróssio durou poucos minutos e, quando apareceram as grandes janelas em arco que iluminavam o jardim da Casa de Eremia, a respiração de Morga ficou mais agitada. Um pensamento, o de sempre, tomou conta de toda a sua mente: era hora de saber tudo e não deixar mais nada pendente.
— Eu vou perguntar para ela! Sim, agora mesmo vou entrar e perguntar. Não aguento mais esperar! — murmurou, observando a grande casa em que morava havia 12 anos sem saber por que motivo.
Wapi estacou na altura do amplo pátio de entrada e a garotinha deslizou pelas plumas até o chão úmido.
Fim da Segunda Parte.
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Morga - A Maga do Vento
FantasyAno 500. Planeta Emiós. Morga tem 12 anos, cabelos curtos - negros como piche -, o rosto salteado com sardas roxas sobre a pele branca e olhos azuis. Ela vive em uma casa escondida na floresta com Eremia - a Bramante Branca dos poderosos achar, gove...