2. As Lágrimas da Gestal - Última Parte.

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Uma guerra terrível eclodiu no ano terrestre de 2020 e fomos obrigados a fugir. Chegamos a Emiós, e a nova vida continuou em busca da imortalidade. — Eremia falava como um autômato, sem fazer inflexões nem demonstrar emoção. Era evidente que não desejava sofrer ao lembrar como haviam abandonado o planeta-mãe.

— Quem é Dan Fhar? — inquiriu novamente a garotinha, mantendo os olhos fixos no rosto cansado da xamã.

— Era nosso ponto de referência, um cientista competentíssimo, o melhor astrofísico da Terra. Ele fundou a Magia Alquímica. Eu, seu pai e os outros magos éramos todos alunos dele. Dan morreu atingido pelas radiações, e nós fugimos, salvando mil humanos: os Supérstites. — A Bramante deslizou os dedos sobre o kumkum, pronta para a próxima pergunta.

— Mas os humanos não sabiam usar a magia? — Os olhos de Morga brilhavam como chamas de velas; o que ela estava descobrindo era incrível.

A xamã fitou o Obolho e esboçou uma careta.

— Somente nós, os Fhar, aperfeiçoamos as técnicas alquímicas. A grande maioria dos homens era contrária.

— Então, vocês, Fhar, tiraram seu nome do professor?

— Sim. E ao vir para Emiós juramos prosseguir na busca da fórmula da eternidade: a Shaal Tuak-Pà. É essa fórmula que eu estou tentando produzir há anos. A poção com folhas de Senthia possibilita-nos viver por muito tempo, mas seus efeitos não são eternos — explicou a xamã, permanecendo imóvel diante de Morga.

— Pois é, você ainda não criou a Shaal Tuak-Pà. Então, vocês não são imortais. Alegam que são, mas não é verdade! As poções de Senthia só servem para que vocês possam viver mais tempo. — A Maga do Vento tinha acertado na mosca.

— Exatamente. — O rosto da Bramante Branca escureceu tanto que sua pele flácida parecia mais frágil que de costume.

— Vocês estão enganando todo o povo de Emiós! Gestais, Ancilantes, U'ndários e Dakis vivem achando que vocês são perfeitos e eternos! — Morga arregalava os olhos.

— Tínhamos necessidade de gente para cultivar a terra, para produzir alimentos e produtos e trabalhar nas fábricas. Nós não podíamos decerto fazer certos trabalhos! Por isso, modificamos o DNA dos mil Supérstites trazidos na astronave. As Gestais, Ancilantes, os U'ndários e as Sentinelas são produtos dos nossos experimentos. Todas as crianças, os Dakis, nascem por desejo dos Fhar, que escolhem uma Gestal. Quando não nascem perfeitas, ainda apresentando DNA humano, com sentimentos e paixões, então... são eliminadas. — Ao dizer isso, Eremia sentiu-se desfalecer. Precisou sentar-se ao lado de Morga, que a olhava estupefata.

— É terrível! É monstruoso! — exclamou a garotinha.

— Eu sei. Mas esta é a Imperalei. Conforme você leu no documento, os sentimentos e o amor dividiram os homens e impediram que nós, magos e alquimistas, reinássemos por toda a eternidade sobre a Terra. Com certeza, não podíamos permitir que o erro se repetisse aqui em Emiós. — A Bramante estremeceu. Suas forças estavam cedendo e a consciência de pertencer aos Fhar a dilacerava.

— É por isso que eu devo morrer? Porque tenho um DNA humano? Porque tenho sentimentos? — A pergunta de Morga feriu inexoravelmente Eremia, que anuiu sem fornecer outras explicações.

Um fiozinho de ar despenteou os cabelos da Maga do Vento. Horrorizada e perplexa, sentia seu próprio corpo como se fosse um monte de cinzas: a história dos Fhar e do fim da Terra haviam destruído qualquer esperança.

Morga observava Eremia com um sentimento de repulsa: como é que ela podia estar vivendo com uma Fhar que havia aceitado tanta crueldade?

— O amor negado. Crianças assasinadas. E tudo isso pelo reles egoísmo dos Fhar de querer ser eternos? É uma loucura. Uma alucinação absurda! — A garotinha cobriu os olhos com as mãos, como se quisesse esconder os pensamentos. Gostaria de apagar todas as lembranças, todas as palavras, todos os sentimentos.

Morga - A Maga do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora