Sem Tempo

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Nem sequer as luzes da entrada estavam acesas, por sorte a lua estava cheia e iluminava o suficiente para que ele encontrasse o caminho para a garagem. Mesmo assim, deixou a moto na entrada por pura pressa de entrar e conversar com Ally. Ao entrar na casa teve uma impressão estranha, uma quietude que não era comum. Pendurou o casaco e examinou a sala, onde tudo estava escuro a não ser pelo brilho fraco do luar entrando pela janela lateral. Mesmo com a luz fraca pôde ver que estava tudo limpo e organizado, como se não houvessem crianças morando ali.

Na verdade, como se ninguém morasse ali.

Foi até a porta da cozinha, outro sinal incomum. Raramente aquela porta ficava fechada e estava diante dessa raridade. Destrancou-a e atravessou o quintal em direção à cabana que servia de ateliê para ele e Ally. Tudo estava apagado e como havia deixado quando saiu, exceto pelo cinzeiro com duas ou três pontas de cigarro a mais. Entrou de novo e subiu as escadas, primeiro abrindo cuidadosamente o quarto de Ian. Foi um pequeno alívio quando viu o menino dormindo profundamente, mas o alívio não foi o mesmo quando entrou no quarto maior. Izzy dormia, os bracinhos abertos e a barriga virada para o teto subia e descia com sua respiração de sono pesado, mas Ally não estava lá.

Fechou cuidadosamente a porta para não acordar a bebê e seguiu com passos cuidadosos em cada uma das portas de cada um dos quartos, todos vazios. Com a respiração pesada, engoliu seco enquanto descia as escadas, degrau por degrau. Talvez tivesse deixado algum bilhete na cozinha ou em algum lugar avisando onde estava.

Acendeu a luz da cozinha e começou a procurar.

- Não esperava que você voltasse hoje. - Ally disse baixinho enquanto saía do peitoril da janela.

- Que susto...procurei você pela casa toda. Você não viu eu entrar?

- Eu vi, mas pensei que você ia subir e dormir.

- Na verdade eu voltei por que precisava falar com você...Sobre...

- Eu sei sobre o quê, Norman...

Ele segurou as mãos dela e inclinou a cabeça para encostar em sua testa.

- Você pode me desculpar?

- Me desculpe...

Olharam um para o outro, dois pares de olhos arregalados. Risos.

- O que você ia falar?

- Não, pode falar primeiro

- É que eu estava pensando, Norman...Não sei por que eu hesito tanto com essa história de casamento. Acho que é por que eu nunca me casei de verdade, é um pouco assustador. Quer dizer, algo pode mudar, e eu não sei o que, nem você...Não entendo por que você faz tanta questão disso...

- Ok...bom...podemos tentar esclarecer isso tudo de novo, mas agora é a minha vez de falar, certo?

- Sua vez.

- Certo...vamos lá... - Respirou fundo e segurou as mãos de Ally um pouco mais firme. - Me desculpe pelas coisas que eu te falei. E por te pressionar tanto, não é o que eu pretendia. Não consigo entender, só isso, e além do mais...é meio humilhante pedir uma mulher em casamento e ser recusado.

- Recusado? Eu não recusei, Norman. Nem na primeira vez que você pediu, nem nunca. Eu nunca disse que não aceitava, só que não tinha pressa.

- Não é o que pareceu. Na verdade, depois de tantos anos, parece que você estava me enrolando.

- Eu sei, eu sei que já faz tempo...Mas não vejo como faríamos isso agora...eu mal consigo pentear o cabelo quando você não está aqui. Além do mais, daqui a uma semana, você vai estar fora, e por quanto tempo? Como faríamos isso, combinando a sua agenda e a minha rotina atual, mal conseguiremos três horas sozinhos pelo próximo mês, no mínimo!

- Eu sei, mas eu posso...Espera...você sabia? Da reunião?

- Sei desde quando o Jeffrey e a Iza vieram conhecer a bebê. Escutei vocês dois conversando lá fora. Aliás... - ela piscou e sorriu com malícia. - Vocês tem que aprender a falar mais baixo. Não há segredos para ninguém quando vocês estão conversando.

- E você não vai ficar chateada, eu realmente preciso ir nessas reuniões. E não sei como vai ser depois.

- Sinceramente? Eu fico chateada...bom, com inveja na verdade. É bem incômodo ficar aqui, o meu trabalho estagnado enquanto você está passeando por aí e ganhando para isso, você sabe...

- É temporário, Shoo, você sabe disso.

- Eu sei, eu sei. Não precisa dar sermão. Não agora, pelo menos. Mas é isso; você vai para a reunião em LA, logo em seguida tem uma Com, e aí outra e logo depois as retomadas das gravações começam. E eu vou ficar aqui...entre fraldas, amamentar e noites em claro tratando de cólicas.

- Por enquanto. Logo a Izzy vai estar maior, e até o Ian vai poder ajudar você.

- E você não?

- Quando eu puder, você sabe. Mas preciso trabalhar, não posso abandonar tudo.

- E eu pedi que você abandonasse? Norman, você mesmo insiste nessa história de casamento, ao mesmo tempo não temos tempo para absolutamente nada, isso que eu não entendo...

- O que você quer que eu faça? Que eu largue tudo para ficar aqui e você ir no meu lugar?

- Não seria má ideia...mas é até injusto você me acusar assim. Eu sempre soube como seria, não estou reclamando de nada disso, só estou sendo realista!

- Por que você está levantando a voz assim?

- Por que você está me deixando nervosa. Por que quando convém você quer forçar a barra com esse papo de casamento e no outro estamos discutindo a sua vida profissional como se eu não tivesse mais o direito de ter uma!

- Lá vamos nós de novo...

- Não vamos a lugar nenhum. Boa noite, Shoo. Aproveite a estadia nessa última semana.

Sem dizer mais nada, apenas com um olhar duro, ela soltou as mãos das mãos dele e seguiu em direção ao quarto, subindo as escadas. Norman respirou fundo, segurando a nuca com os dedos entrelaçados e se deixou cair de costas no sofá olhando para o teto.

- O que falta eu fazer por ela? - resmungou baixinho, fechando os olhos e balançou a cabeça em seguida. - Não faltou mais nada, tudo que eu tinha que fazer, eu fiz. À toa. 

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora