POR CONTA PRÓPRIA

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Mais tarde naquele dia, Ally perambulava pela casa, enquanto a mente e o coração estavam pesados tentando encontrar alguma forma que resolvesse os desentendimentos com Norman, as mãos estavam inquietas, implorando por alguma atividade.

Não estava acostumada com o tédio. Mas agora ele parecia uma imposição. Atravessou o quintal em direção ao ateliê nos fundos. Obviamente, Norman acabou por abandonar a escultura em metal e madeira. Tocou a superfície áspera da madeira nas penas das asas do anjo que não haviam sido lixadas ainda, por um momento quis pressionar mais os dedos, mas a superfície áspera a deixou com medo de alguma farpa.

Do outro lado, estavam seu cavalete e as tintas. Tentou se lembrar há quanto tempo havia comprado tudo aquilo, tantas tintas, solventes, pincéis...Duas telas estavam ainda fechadas no canto debaixo da escrivaninha. Respirou fundo e pegou a maior, que tinha um metro por noventa centímetros. Colocou-a sobre a estante do cavalete, e por um momento breve, não havia nenhum pensamento se sustentando. Passavam como nuvens que ela sequer se dava o trabalho de tentar segurá-los. A tela em branco a encarava de volta em silêncio.

Olhou para trás, e pela janela aberta entrava um raio de sol do meio da tarde. Por cima do telhado, um feixe de luz branca atravessava perpendicular sobre a mesa. Enquanto olhava, fechou os olhos, deixando o carvão guiar sua mão enquanto ela consultava apenas a memória do que havia acabado de ver na janela. As linhas da parede da casa no outro lado do quintal estavam tortas, a porta estava muito maior em proporção do que a real. A janela por onde entrava a luz solar igualmente torta, com linhas quase diagonais e o feixe perpendicular atravessava quase a janela inteira.

Era imperfeito, impreciso. E estava perfeito. Só então pensou em como tudo era sempre uma visão distorcida. Havia a visão dele sobre os fatos, o entendimento a partir dos conflitos dele mesmo, e ela via tudo com uma lente grossa de traumas e medos. Seu maior medo era o passado se repetir de novo. Qualquer mínimo sinal, sua visão ficava turva como aquelas linhas.

Percebeu então que não era um pedido de desculpas que ela queria. Ela queria ouvir que seus medos não eram reais.

Escolheu algumas cores para misturar e se aproximar o melhor que podia das cores originais. Não as que via, mas aquelas que se lembrava, como um exercício. Aquilo era a pintura de sua memória, de sua visão, não das coisas reais de todos os dias. Se perguntou se quem visse a pintura acharia idêntico ou totalmente diferente. Bem, era exatamente o que pensava agora, não é? Cada um via o mundo a partir dos próprios traumas, medos, esperanças e ilusões. Esse seria o seu objeto de estudo. Ligou o rádio de Norman que sempre estava desligado da tomada e continuou a primeira camada da pintura, confiando totalmente apenas na memória das coisas banais que via todos os dias. Aumentou o volume o máximo que podia.

Estava tão alto que não ouvia mais nenhum ruído que viesse de qualquer parte da casa. Pensou por um segundo que se entrasse algum ladrão, algum assassino, ela sequer teria tempo de percebê-lo e riu com a própria tolice.

— Não é hora para ficar com mais um medo idiota na cabeça. — disse para si mesma enquanto aumentava mais ainda o rádio. Precisava de algo que puxasse de dentro dela tudo que sentia, sem os pensamentos, mas a "nhaca" que eles criaram dentro de seu coração.

" don't know where I'm goin'

But I sure know where I've been

Hanging on the promises in songs of yesterday

An' I've made up my mind, I ain't wasting no more time

Here I go again, here I go again

Tho' I keep searching for an answer

I never seem to find what I'm looking for

Oh Lord, I pray you give me strength to carry on

'Cause I know what it means to walk along the lonely street of dreams

Here I go again on my own

Goin' down the only road I've ever known

Like a drifter I was born to walk alone

An' I've made up my mind, I ain't wasting no more time

Just another heart in need of rescue

Waiting on love's sweet charity

An' I'm gonna hold on for the rest of my days

'Cause I know what it means to walk along the lonely street of dreams

(" Não sei onde estou indo,

Mas sei muito bem de onde eu vim

Me agarrei em promessas de canções antigas,

mas agora eu estou decidido, e não vou perder mais tempo.

Lá vou eu de novo, lá  vou eu de novo

Porém, continuo procurando por alguma resposta

parece que eu nunca vou conseguir descobrir o que estou procurando

Deus, eu imploro, me dê forças para seguir em frente

Pois eu sei o que é caminhar sozinho no vazio na estrada dos sonhos

Lá vou eu de novo, e sozinho

Lá vou de novo pela única estrada que eu conheço

Como um andarilho, eu nasci para caminhar sozinho

E já tomei essa decisão, não perder mais tempo

Sou só mais um coração partido procurando refúgio

Em busca da doce caridade do amor

e vou continuar  procurando até o fim dos meus dias.

Por que eu sei o que significa

Caminhar ao longo do deserto da estrada de sonhos"





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Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora