Depois de um longo abraço, entraram na casa. Ally colocou a chaleira para ferver enquanto Iza bebia uma taça de vinho. Por um momento Ally se perguntou porque sempre havia uma garrafa de vinho na cozinha. Norman até bebia uma taça de vez em quando, mas Ally nunca gostara da acidez, além de ter péssimas recordações guardadas no estômago dos primeiros porres que tomou na vida, bem cedo, aos 11 anos. E foram porres o suficiente para que a simples lembrança do cheiro desse náuseas já nos primeiros anos da vida adulta, ironicamente, quando poderia beber todo o vinho que quisesse.
- Por onde começamos?
- Acho que é melhor por você, Iza, afinal...é como eu disse; nem sei se temos algum problema por aqui.
- Certo... - Ela respirou fundo, as mãos cobrindo os olhos e o corpo debruçado na bancada. - Acho que a Izzy deu a tal febre do bebê no Jeffrey. Enquanto ele estava só falando da Izzy, que ela é uma bebezinha linda, de quando o Gus era pequeno assim, estava tudo bem. Mas sabe quando o assunto fica bem óbvio nas entrelinhas?
- Ele quer outro bebê?
- Exatamente. Ele quer outro bebê. E eu...
Ally esperou ela terminar a frase, mas notou que algo a deixava constrangida.
- Você não quer.
- Não! Não que eu não queira, mas não agora. E ele não quer outro bebê, assim, conversar a respeito. Ele praticamente "decidiu" que teremos um bebê, e se pudesse, seria para ontem...isso está me deixando louca.
- E você falou isso? Conversou com ele a respeito?
- Eu tentei, mas ele...sabe quando a pessoa sabe que não vai gostar do que vai ouvir e fica falando e falando sem dar chance para ouvir nada?
Ally virou a chaleira para despejar a água quente na xícara.
- Parece que ele está forçando a barra.
- Parece? - Ally perguntou enquanto enchia a xícara. Apertou o saquinho de chá com uma colher pequena. - Se isso não é forçar a barra, eu não sei o que é.
- Acabei gritando com ele, mas ele não estava me deixando falar, estava me irritando demais!
- E o que você estava tentando falar?
- Que não era o momento. Que eu tenho outros planos para agora, e não...você não vai se ofender?
- De forma alguma.
- Eu falei para ele que eu não quero parar a minha vida como você está obrigada a parar agora. Foi isso. Ah, amiga, eu sei que é um assunto complicado, mas é verdade...se eu pudesse, ficaria com eles em tempo integral para que você pudesse continuar, mas...
- Iza, não, pode parar aí mesmo! Você nem sequer está errada em falar isso. Olha pra mim, estou fazendo chá. Chá, pelo amor de Deus...Não é que eu tenha algum problema com os meus filhos, que eu não os queira ou coisa assim, é bem o contrário, mas posso te contar um segredinho?
Iza acenou com a cabeça discretamente. Ally se sentou, cruzando os braços sobre a bancada para falar mais perto de Iza.
- É uma barra pesadíssima. E eu sabia disso, tanto quanto estava grávida do Ian, e mais ainda quando descobri que estava grávida da Izzy. Não sou de ficar dourando a pílula, Iza. Ninguém devia ser obrigada a segurar uma barra tão pesada a não ser que quisesse muito.
- Você sente falta do trabalho mesmo, não é?
- Quando me sobra tempo para lembrar...
Iza notou um brilho pálido nos olhos da amiga, como se uma sombra passasse tentando apaga-la. Mas logo a sombra passou e a tristeza em seu olhar também.
- Mas é isso. Não estou ofendida. Muito me surpreende que ele tenha ficado ofendido, aliás.
- Eu também...Acabei desistindo da discussão, ele ficou lá na sala, emburrado na frente da TV...Aí te liguei.
- Foi tão feia assim a briga?
- Bastante. O suficiente para eu não querer ficar lá nem por mais um segundo.
- É, foi grave mesmo. Bem, o Norman não está aqui. Você pode passar a noite, esperar os nervos e os ânimos baixarem...
- Só volto para o plantão depois de amanhã. Se você não...
- Você pode ficar aqui o tempo que quiser, sempre que precisar. Pelo menos você fica um tempo até o grandalhão se acalmar um pouco. Quem sabe depois vocês conseguem conversar com mais calma?
- E o que você acha?
- Eu? Sobre o quê?
- Sobre isso tudo. Ele tem alguma razão? Ou eu estou sendo egoísta por não querer nada disso por enquanto?
- Até onde eu sei, a vida de casal é algo muito particular, Iza. Mas se você me permite meter um pitaco, eu não recomendaria que você tivesse um bebê agora. Tem ainda dois anos de residência para cumprir, e talvez até lá você tenha escolhido uma especialização, ou seja: há decisões que se fosse eu no seu lugar, jamais adiaria. E eu estava no mesmo ponto que você está: a minha carreira estava subindo além do ponto que eu queria chegar. Não que eu não quisesse ter outro bebê, mas não estava nos meus planos que isso acontecesse agora. É um amargo doce, sabe?
- Você ficou bem frustrada quando descobriu, eu me lembro.
- Muito. Muito mesmo...foi difícil eu me conformar, bem difícil mesmo. O Norman estava eufórico e ficava envergonhado de demonstrar isso, mas eu percebia. Mas é fácil ele ficar eufórico, afinal, para ele é a alegria de chegar em casa e ter um bebê fofinho e cheiroso em casa, mas quem que deixou o bebê limpinho e cheiroso?
- Eu pensei que ele era mais presente...
- Enquanto ele está aqui, ele é. Mas um dos dois precisava ceder, e esse alguém não foi ele. Raramente é o pai que abre mão dessas coisas. Os tempos estão mudando sim, mas é bem lentamente.
- Talvez quando a Izzy estiver adulta as coisas já tenham mudado o suficiente.
- Exatamente. Mas não agora. Não na minha vez. Por outro lado, eu acho que perdi noites em claro por motivos bem menos nobres, então perder um ano ou dois não me faz muita diferença, no meu trabalho eu sempre posso retomar depois. É um pouco difícil, mas dá. Não acho que você possa se dar ao luxo de abrir mão de um ou dois anos de residência médica. Você não está sendo egoísta, na verdade, quem está sendo é ele. E isso me decepciona muito, não imaginava que ele fosse assim.
- Eu também não...se ele tivesse me escutado, ao menos...Talvez seja como você falou...quando ele estiver com os ânimos menos exaltados...
- Talvez...E se precisar de algo, você sabe que pode contar comigo. Eu sei que em boa parte foi culpa sua que eu e o Norman fizemos as pazes, aliás...
Iza sorriu, um pouco constrangida.
É como uma troca de refúgios. O Norman ficou refugiado na sua casa naquela briga, e hoje você pode se refugiar aqui. Aliás, deve.
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Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.
Genç Kız EdebiyatıForam dois anos de esforços, tentado sustentar a relação e finalmente conquistar a confiança de Ally. Mas será que esses esforços bastavam? Com a relação evoluindo ao passo que a carreira de Norman avança, más decisões farão mal a todos. Mas será me...