No dia seguinte, Ally e a mãe resolveram aproveitar a tarde que não estava tão quente quanto a anterior e deram algumas voltas pelo bairro com as crianças. Passaram por um prédio que ficava a um quarteirão do prédio de Cris. Tinha uma entrada com pilares altos de tijolos vermelhos, uma guarita grande e varandas largas com grades de ferro retorcido, meio estilo Vitoriano.
— Sabe que eu sempre tive curiosidade de ver como são os apartamentos aqui?
— Tem duas placas de "Vende-se"...
— Vamos olhar? — Ally perguntou já com o olhar confirmando que iriam sim olhar os apartamentos. Não foi nada difícil, as chaves estavam com o porteiro.
Eram dois apartamentos por andar. Ao abrir a porta a vista da varanda aberta mostrava o espaço arejado da sala. A luz do sol entrava ali e iluminava cada canto. A cozinha era aberta com um balcão americano, bem parecido com a cozinha da casa em Senoia. Havia varanda nos dois quartos também. No último andar ficavam a piscina e uma pequena sauna.
— Quanto será que custa esse lugar? Parece ser bem mais caro que a média do bairro.
— Acho que passa de um milhão.
— Eu adorei essa ideia da piscina no último andar...pega bastante Sol e os prédios ao redor não atrapalham. A vista aqui é a mesma, dá pra ver daqui o aeroporto...
Ally olhou ao redor mais um pouco. Era muito mais bonito do que pensava.
— Bem...agora já matei a curiosidade. — Estendeu a mão para o filho, enquanto Cris colocava Izzy de volta no carrinho. — Vamos?
Voltaram para o apartamento. Izzy precisava de um banho, Ian estava sonolento pelo passeio prolongado. Depois que ambos estavam cuidados, Ally sentou-se na espreguiçadeira da varanda, ainda olhando para o prédio diante dela, que haviam visitado há pouco.
— Está com ideias novas? — Sua mãe perguntou enquanto se sentava ao lado dela.
— Não sei...mas acho que foi só deslumbramento mesmo. Por que eu compraria um apartamento aqui que eu nem vou usar?
— É o que eu pensei. Ou tem algo acontecendo que você esteja pensando em voltar para cá?
— Não, de forma alguma. Engraçado que eu pensei no apartamento como se fosse uma camiseta que eu posso comprar aqui e levar para lá.
— Mas seria uma boa, não sei...não que eu não goste que você fique aqui, mas não seria melhor ter um lugar para ficar quando você viesse pra cá?
— Pensei nisso também, agora mesmo...Mas não é como se eu viesse todo ano...na verdade, até me sinto um pouco mal com isso...
— Não tem nada a ver...Eu também posso ir visitar vocês, e quando foi a última vez que eu fui, não é?
— Mãe...você está me seduzindo para comprar um apartamento?
— Eu? De jeito nenhum... — ela riu um pouco. — Só que eu sei que se eu falar pra você comprar, você não vai, se eu falar pra você não comprar, você vai, então...sei lá, estou seguindo seu raciocínio...
— Sabe uma coisa que eu percebi? — Ally comentou enquanto cruzava as pernas. — Acho que é a primeira vez que conversamos que você não tem nada pra me contar do meu pai. Sei lá, alguma fofoca, alguma coisa ridícula que ele esteja fazendo...
— É..acho que de uns tempos pra cá eu mesma não quis mais saber. O seu irmão vai lá às vezes..
— E não teve mais nada?
— Algumas coisas sim.
— Mãe...eu te conheço. O que você está não me contando exatamente?
https://youtu.be/Lwj5_SNWYc8
Ela sabia muito bem quanta mágoa Ally ainda carregava do pai. Por mais que ela dissesse sempre que aquela ameaça de processo ridícula havia sido a conta d'água, conhecia a filha bem melhor que isso. Não havia mais solução para dissolver a mágoa que carregava.
Pensou por um momento que com Ally as coisas precisavam sempre ser claras. Admirava a filha de uma forma quase invertida. Ela nunca teve medo de viver sozinha. Não se deixou congelar por medo de arriscar largar tudo e partir com o filho no colo. A maioria das vezes, sabia que a filha era firme como uma rocha, mas sabia que as fraquezas que escondia tinham bons motivos para ficarem escondidas.
Mas esconder fatos era a pior coisa. Se ela farejasse algo estranho no ar, não desistia até descobrir.
— Olha, eu não sei. Achei melhor não falar nada, principalmente quando você chegou porque eu sabia que você estava cheia de trabalho, além das crianças. Não achei que faria bem contar agora...
— Mãe, o que ele pode ter aprontado que eu ficaria chocada a essa altura?
— Aconteceram algumas coisas sim...primeiro a mulher dele quer o divórcio...
— Ela até aguentou bastante...
— Pois é. Mas é outra maluca. E queria que ele fosse embora do apartamento, que é dele, pelo menos uma parte.
— Não sei como ele não perdeu ainda. Mas chega de rodeio, mãe...
— Tá. Vamos lá. Alguns dias atrás, ela ligou para o seu irmão. Para pegar um .38 que seu pai herdou do seu avô...
— Como assim?
— Ele tentou se matar com um tiro no peito.
Por um segundo, Ally pensou que ele estava morto e uma onda furiosa carregada de ódio cresceu dentro dela. Como ele ousaria tentar morrer antes que ela colocasse todas as cartas na mesa? Ele não podia, não antes que ela resolvesse que não haviam mais pendências.
E nem sequer tinha começado ainda.
— Mas espera...ele tentou você disse.
— Exatamente.
— Nem sequer para morrer direito ele teve capacidade? — disse com um riso amargo. — Não podia esperar nada diferente dele...
— Por isso eu não quis contar.
— É mais uma baixaria dele... Olha, eu não deveria fazer chacota disso...logo eu. Foram quantas vezes que eu cheguei muito perto de morrer assim, por vontade própria? Mas honestamente, mãe...não é por chacota, é porque eu conheço bem essa figura...normal ele não é, se machucar assim por atenção não é coisa de gente normal...Mas quem brincou com uma coisa séria como essa? Não estou sendo eu...ele que não entende a gravidade de uma depressão a ponto de fazer isso.
— Não precisa se justificar...eu sei do que você está falando. Inclusive, acho que foi um tiro no peito. Eu que não ia lá visitar e dar mais audiência afinal. Mas o seu irmão disse que nem sequer chegou perto do coração.
Ally bateu as duas palmas nas coxas revirando os olhos com uma risada silenciosa e cínica.
— Nossa, e por que é que eu não estou surpresa? Canalha...como ele é baixo, mãe...
— Eu sei...mas, bem...agora você sabe. Só não quero que você fique remoendo isso. Ele não vale a pena...
— Ele só tem o meu desprezo, mãe...e se ele soubesse, deveria agradecer. Que o certo seria eu não ter nada por ele.
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Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.
Literatura FemininaForam dois anos de esforços, tentado sustentar a relação e finalmente conquistar a confiança de Ally. Mas será que esses esforços bastavam? Com a relação evoluindo ao passo que a carreira de Norman avança, más decisões farão mal a todos. Mas será me...