ENTRE OS CANTOS DA NOITE

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Todos estavam dormindo, mas mais uma vez, Ally estava desperta. Por um minuto, aquele único minuto na varanda Jeffrey olhara para ela como se ela fosse capaz de mentir para o Norman, como se ela fosse capaz de traí-lo.

De certa forma, era como se os olhos dele se confundissem com a forma que Norman estaria olhando para ela quando contasse. Mesmo sem saber com total certeza que havia feito tão errado assim em ir à casa de Marco.

Afinal, sempre haviam sido amigos, nunca sequer pensara que havia essa confusão com ele. Mesmo que Norman tivesse sugerido cuidadosamente que havia algo errado em tamanha proximidade mesmo que à distância.

Culpada? Poderia ser culpada por não tê-lo escutado. Poderia sim, ser culpada pela teimosia. Mas não pelo ato de ir até lá. Não era, não achava justo ela ser condenada por ir até um lugar com um único objetivo: trabalhar. Não era errado, era?

Se o Marco havia subestimado a amizade e a relação de trabalho exclusivamente, que culpa teria ela? Por que o Jeffrey se achava no direito de julgá-la e condená-la como se ela tivesse correspondido às investidas dele?

Se fosse assim que Norman a receberia quando ela contasse, era melhor não contar nada. Os pensamentos iam e voltavam enquanto os lençóis eram puxados para cima de seu corpo e jogados de lado novamente. Queria que tudo fizesse silêncio, que os grilos e as cigarras da noite fresca se calassem um pouco. Queria todos os cantos da noite em silêncio, para que vagasse mais devagar pelos cantos da noite dentro da própria mente.

Onde ele estaria agora?

O celular estava ao seu lado, na mesinha de cabeceira. Estava tarde, talvez, para as crianças, quando ela estava sozinha, exausta e em sono profundo pouco antes da meia-noite. Se ele estivesse mesmo trabalhando, correndo atrás da realização de cada um dos seus sonhos (e um novo pensamento agitou as águas internas: "eu estou fazendo exatamente a mesma coisa. Que mal há nisso? Não posso cometer enganos?").

Havia uma mensagem de Norman. Enviada pouco depois das dez da noite, quando estava lá fora, na varanda, se decepcionando com um amigo e confiando na amiga. De fato, eram poucos os amigos que tinha. Confiava nestes e conhecia pouco aqueles. Mas eram todos, direta ou indiretamente, amigos dele.

Não era muito animador perceber que ela não tinha seus próprios amigos ali. Tudo era construído em torno dele, até mesmo as amizades. Haviam algumas outras mães, de coleguinhas de escola do filho, sim. Haviam alguns vizinhos que às vezes encontrava no mercado e os próprios funcionários do mercado que trocavam sorrisos e cumprimentos. Na mensagem, ele dizia que estava com saudades e que era ruim dormir sozinho depois da bagunça que haviam feito naquela mesma cama.

"Sim, eu sei como é isso".

Era a única resposta que conseguiu pensar, sem perceber que antes mesmo de vê-lo, já estava reagindo a o que seria uma futura briga.

"Te amo. Feito louca. Te esperando, volte logo!"

Talvez isso disfarçasse algum tipo de mensagem passiva-agressiva na resposta anterior. Ficou encarando o aparelho por alguns minutos, mas não havia resposta. Provavelmente estava dormindo; se estivesse trabalhando, teria visto o recado no mesmo instante. Não sabia trabalhar sem o celular.

Era inútil. Não iria pegar no sono. Talvez tivesse dormido pesado demais, talvez estivesse reagindo exagerada demais àquela conversa. Talvez esperasse demais da amizade de Jeffrey, esquecendo-se que antes dela, a amizade dele pelo Norman sempre viria primeiro.

Levantou-se da cama, com passos cuidadosos ao redor da cama encontrou a camiseta e a calça de flanela no chão.

Desceu com os pés descalços, degrau por degrau atravessando o corredor que marcava a cozinha, pegou um copo e a água gelada. O maço de cigarros estava em cima da bancada, a melhor companhia para um pequeno passeio noturno pelo quintal. Sentou-se no balanço que haviam instalado, a corrente estava um pouco úmida e fria ao toque. Balançou um pouco, com as pontas dos pés tocando a terra enquanto olhava para o céu escuro emoldurado pelas pontas de lança dos pinheiros do bosque. Estava claro, mas não via a lua. Haviam estrelas por toda parte, mas a Lua devia estar em alguma outra direção, talvez além do bosque. O ar frio entrou em suas narinas como espíritos de orvalho. Acendeu o cigarro, soprando a fumaça até o eito esvaziar, pois não sabia se o que saía de sua boca era a fumaça que soprava ou o ar condensado com o frio da noite.

"Isso é inútil." — o pensamento brotou como um sussurro de uma outra Ally dentro dela. Como se essa outra versão sua comandasse, Ally apagou o cigarro e seguiu de volta para dentro da casa. De fato, era inútil. Estava feito e não adiantava se antecipar. Só saberia a reação dele quando contasse. E precisava contar. Já havia confiado tanto nele, por que mudar isso agora?

Apelou a um pequeno truque: trouxera de casa uma cartela de Dramin. Sempre a ajudava a dormir quando não era uma insônia grave. E de fato, ajudou. 

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora