Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.

INSTINTOS

Felizmente naquela noite as crianças pareciam ter percebido a tensão da visita noturna e só acordaram bem depois que Ally já estava em pé. Com cuidado, foi até o quintal e acendeu um cigarro escondido. Iza teria com certeza uma dúzia ou dez a dizer se a visse fumando.

Como era possível que Jeffrey tivesse perdido totalmente a noção de respeito e compreensão? Ele mesmo se orgulhava o tempo todo, chamava a Iza de "minha Doutora"...qual era a dificuldade em respeitar a escolha dela? Aquela conversa a havia deixado tão chateada ( e um tanto desapontada, na verdade) que não se sentia confortável em mudar de assunto. Afinal, não era nada assim tão grave. Estava insegura com relação a Norman em algum sentido, mas sempre que pensava no que poderia estar errado, alguma justificativa brotava quase como se alguém sussurrasse em sua mente: ora, estamos brigando muito ultimamente, nada mais normal que o estado de alerta. "Mas logo isso vai passar, nos magoamos muito. Talvez seja porque não estou trabalhando e esteja fazendo eu me sentir menor, é insegurança minha."

Era fácil justificar a si mesma a insegurança que sentia como culpa toda sua. Mas então a mesma voz dizia: "confie nos seus instintos. Se estou sentindo que tem algo errado, é porque tem.".

Deu um trago mais fundo no cigarro, soprando a fumaça com força como se ajudasse a soprar os pensamentos junto. Deixou o cigarro no cinzeiro, passando os dedos nos cabelos e puxando-os para trás.

- Bom dia...acho...é um bom dia? - A voz de Iza vinha por trás dela. Franziu o nariz um pouco com o cheiro do cigarro. - Se tem um cigarro aceso, não deve ser.

- Não, acho que pode ser um bom dia sim. Tem café pronto na pia, só não...

- Tudo bem, já me servi.

- Dormiu bem?

- Demorei um pouco, mas...foi uma boa noite, acho.

Ally sorriu meio sem vontade e pegou o cigarro de volta do cinzeiro. A farsa já havia sido descoberta, até mesmo porque não se deu tanto trabalho em esconder, e se perguntou por um momento se havia sido de propósito, talvez inconscientemente. Iza se sentou à sua frente, encostada na porta do ateliê.

- E a sua noite, como foi?

- Na verdade, não foi a melhor.

- Acabei não deixando espaço para a sua vez, ontem...Quer contar o que está acontecendo?

- Eu não sei. Não sei o que está acontecendo, Iza...não sei nem sequer se está mesmo acontecendo qualquer coisa...

- Vocês brigaram de novo?

- Não...Não teve briga nenhuma, na verdade estávamos bem melhor nos últimos dias. Era para ele estar indo para L.A. hoje, mas acabou indo ontem à tarde.

- Chamado de última hora?

- Isso está me incomodando um pouco. E é estranho, nunca me incomodou, toda vez que ele saiu, mesmo quando era assim, às pressas, nunca foi problema. Mas agora...

- O que tem agora?

- Não sei. Talvez nada. Quando ele me disse, bom...vamos pelo começo. Estávamos conversando sobre os próximos dias, depois que ele fosse viajar. Aí ele recebeu uma ligação da Jo, sobre uma proposta de um filme. E aí...bom...

- Aí você não gostou. Eu não imaginava que você fosse ciumenta assim...Sério, estou surpresa!

- Não é ciúme...quer dizer, talvez seja...não sei...isso fica indo e vindo na minha cabeça e eu não sei mais o que faço...

- Mas ele falou alguma coisa?

- Ele me disse que ia ver na reunião sobre o tipo de filme, e...Na verdade, não é nenhuma novidade esse tipo de coisa. Até é uma coisa que eu admiro nele e que somos bem parecidos, não perdemos nenhuma oportunidade. Ele mais que eu, obviamente, alguém precisa manter as crianças vivas, certo?

- Sei...E o que você acha a respeito dessa produção nova que ele está investindo?

- Eu não sei...Não sei mesmo...Não sei nem o que é.

Iza se levantou com uma risadinha, como se a amiga fosse uma criança falando como adulta.

- Ally, não deve ser nada de mais...Mas com tudo isso que mudou, deve ser estranho mesmo, mas só isso. Você teve que parar tudo por enquanto e ele está nessa fase da carreira em que o topo parece estar mais próximo a cada dia.

- Não sei se é só isso, Maninha...não sei mesmo...

- Ele já teve a reunião? O que ele disse?

- Ele não disse nada. Não tive nenhuma notícia dele até agora.

- Bom...considerando que são... - Consultou o relógio rapidamente. - Mal passou das oito da manhã. Provavelmente ele chegou cansado da reunião e foi direto para o hotel. E se era tão de última hora assim, com certeza ele mal saiu do avião e disparou para lá.

- Tá vendo? É como eu disse. Não tem nada que não possa ser explicado, mas ainda assim, tem alguma coisa que está me incomodando, que eu não consigo me livrar dessa...preocupação. Como se algo estivesse muito errado que eu não estou sabendo *ainda*.

- Bom, o futuro a Deus pertence, não é? Por isso acho que é melhor não se desgastar enquanto não aconteceu nada que justifique isso. Talvez isso comece a mudar agora. - Apontou com o queixo para o celular de Ally que piscava.

Desde que Izzy nascera, o celular estava sempre no silencioso.