ARISCA E VULNERÁVEL

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Era uma forma estranha de acampamento em um apartamento tão pequeno. Não havia muito espaço sobrando em um quarto. Quantos metros quadrados deveria ter? Norman pensava que talvez não deve ter mais que nove ou dez. Estava difícil cair no sono, não pelo espaço apertado na cama de casal simples dividida por quatro pessoas, ainda que duas delas fossem "pessoinhas". Por um momento pensou ter caído no sono e não percebeu que Ally havia se levantado e saído dali. Parecia que havia fechado os olhos e ao abri-los novamente ela havia desaparecido como um truque de mágico. Com cuidado para não acordar as "pessoinhas", saiu do quarto com passos cuidadosos. Queria ter colocado algum agasalho mas não queria arriscar procurar e acordar alguém, logo, a única opção que restou foi cruzar os braços bem apertados contra o peito. O dia chuvoso espalhara o ar frio por toda a cidade, ainda mais em um andar tão alto.Por isso, de certa forma esperava em vão que Ally não estivesse na varanda como de costume.

— Podia ser pior... — falou com a voz baixa, começando a sentir os pêlos do braço se arrepiando com o ar gelado. — Pelo menos você trouxe um cobertor....

— Hey... — Ally sorria um pouco sem vontade. — Não conseguiu dormir também?

— Sono leve...

Sentou-se ao lado dela, puxando um pouco do cobertor que ela levantou para ele como um convite para entrar em uma caverna.

— Então...o que te manteve acordada até essa hora?

— Nada de mais...nada muito grave na verdade, apenas...

— Lá vamos nós...

— Relaxa, não preciso agora de seus serviços como psicólogo particular...

— Prefiro ser uma espécie de "conciência externa", mas...

— Não é nada disso, Shoo...acordei com dor, devo ter deitado de mau jeito mesmo...meu braço estava dormente, pescoço dolorido, aí acordei.

— Temos mesmo um problema com a distribuição de espaço...

Ally virou de frente para ele, colocando as pernas em seu colo, recostando a cabeça em seu peito.

— Está gostoso aqui... — Ele comentou encostando a cabeça na dela. — Mas...

— ...temos uma longa viagem amanhã, eu sei...

— Por outro lado, talvez a gente durma melhor no avião mesmo...

— É bem capaz...ou aqui mesmo, já pensou?

— Imagina a cena...o Ian começa a berrar procurando a gente, aí acorda a Izzy que vai berrar mais alto ainda...

— Que vai acordar a minha mãe...Enfim, é mais garantido que o despertador...

Riram um pouco, cada um imaginando sua versão da mesma cena. Ou talvez a mesma. Depois de alguns momentos em silêncio externo, embora internamente houvesse bastante ruído, Ally levantou o braço que estava ao redor do torso para segurar seu pescoço, apertando mais forte o abraço enquanto respirava fundo.

— O que foi?

— Nada. Sério, absolutamente nada. Só quis te abraçar mais um pouco.

— Surto de fofura, ou coisa assim?

Ela concordou com um murmurar suave. Por algum motivo, ele sentia uma espécie nova de alívio, fechou os olhos sentindo como se uma espécie de nuvem escura tivesse se desmanchado e estar ali, pela primeira vez sem aquelas palavras dos outros ecoando em sua mente. Agora entendia com mais clareza: era mesmo um bichinho arisco, havia sido até aquele dia. E realmente, era inútil esperar qualquer vulnerabilidade. Não era fácil quando alguém tentava desmorona-la. Entendia pela primeira vez que quando ela parecia derrotada ou perdida, na verdade, estava reunindo todas as forças. E era muito boa nisso, na verdade. Toda vez que ele mesmo pensou que ela poderia cair de um abismo, era enganado. Era exatamente nesses momentos que ela estava mais forte. Com isso, estava percebendo algo a respeito de si mesmo: por que havia passado tanto tempo em uma espécie de obsessão maluca esperando que algum dia ela despencasse e dependesse dele? Não fazia sentido, não o incomodava o fato de ela ser como era.

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora