UM BOM AMIGO

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Era bom estar fora de casa por um dia, e o convite de Iza e Jeffrey para passar aquele fim de semana na fazenda com eles não poderia vir em melhor momento. Brindaram à nova fase na carreira de Ally, Izzy teve o primeiro banho de piscina, Ian e Gus se divertiram brincando com os cães. Mais à noite, quando as crianças estivessem dormindo, ligaria para Norman. De qualquer maneira, sabia o quanto ele estava ocupado e não bastaria uma conversa de 10 minutos.

Por isso que tomou um susto quando sentiu o celular vibrar no bolso e precisou fazer um certo contorcionismo para alcança-lo enquanto segurava Izzy. Raramente o telefone tocava e não era ele, mas maior surpresa foi ver o número de Marco piscando na tela.

- Oi, Menina...

- Marco! Minha nossa, está tudo bem? Para me ligar ao invés de mandar uma mensagem...

- Bom, em queda livre, como sempre. Mas não ia ser a coisa certa a se fazer, apenas mandar uma mensagem besta para dar os parabéns pela nova conquista...

- Ah, Marco, obrigada...e por obrigada quero dizer por tudo. Me dar parabéns por algo que foi culpa sua também, não seria justo!

- Continua uma boba, né, Menina...Eu disse que você tinha tudo para se dar muito bem, não disse?

- Eu sei, eu sei...Mas mesmo assim, acho que as minhas ambições nunca chegaram tão longe.

- Você esperava o quê?

- Um apartamento no centro velho de São Paulo, pagar as contas e não me preocupar fazendo conta para descobrir se iria sobrar algo no fim do mês...O mais longe que eu pensei que chegaria era isso.

- Por que é besta. Você sempre mereceu mais, você sabe muito bem disso, só que se faz de besta.

Ally apenas sorriu, sem saber o que dizer.

- Tem alguma coisa incomodando?

- Não...quer dizer...não sei.

- Brigou com o namorado?

- Não, de forma alguma.

- Mas quer brigar...vai Menina, não mente. Quinze anos que eu te conheço, você não mudou tanto assim...

- Eu não briguei com ele. Na verdade, a participação dele nisso, mesmo que mínima...Foi algo que eu gostei. Ele não ia conseguir deixar de dar um empurrãozinho que fosse, afinal...

- Então qual o problema?

- Só...sei lá...Acho que é algo estranho, bem agora que precisei parar de trabalhar, voltei ao ponto de partida com mais um bebê para cuidar...tudo começou a acontecer sem eu fazer parte, pelo menos não diretamente.

- Ué, mas quem escreveu o livro? Não foi você? O que está faltando?

- Não é isso...é que agora seria um momento perfeito para continuar, criar algo novo, mas não posso...

- Você está criando algo novo, Ally. Como é que você aguenta, pegando no seu próprio pé o tempo todo?

- Eu faço isso, mesmo...

- Com certeza, faz mesmo. ainda bem que você sabe.

- E quando vamos nos rever, Marco? Poxa, eu ia adorar...

- Quando você vier para cá...

- Não acho que eu vá conseguir viajar para o Brasil tão cedo...mas tem aquele lance do lançamento em NY.

- Você vai se sair bem, tenho certeza disso.

- Eu estava me referindo a você. Já que Maomé não pode vir à montanha...

- E eu lá tenho dinheiro para isso, Ally?

- Você é meu editor. O primeiro e único, esqueceu? Em primeiro lugar, um dos meus amigos mais queridos, apesar da distância, e em segundo...

- Ally, não inventa. E onde eu iria ficar? Não sei nem sequer além do básico de inglês...

- Tudo isso tem jeito, Marco, confia em mim. Você ainda confia?

Ele riu do outro lado da linha, era um riso tão conhecido que Ally podia vê-lo de certa forma. Os olhos meio melancólicos e um riso um tanto apagado, como se uma boa notícia fosse apenas uma fagulha que amenizasse por meio segundo uma vida inteira de melancolia.

- Faço questão, Marco. Só preciso de alguns meses. Tenho bastante tempo para organizar tudo.

- E o livro?

- Ora essa, está autorizado a ser traduzido...

- Me referia ao novo. Que você quer escrever mas está sem tempo por causa da maternidade...

- Posso usar esse pouco tempo entre uma troca de fraldas e outra para outras coisas...já está adiado, mesmo...

Mais uma vez ouviu ele rir baixinho.

- E sem recusar, Marco. É uma ordem. Você virá sim. E vai ser do meu jeito, ou de jeito nenhum.

- Nunca esperaria outra coisa, vindo de você.

Ally se despediu, colocando o celular de volta no bolso.

"É engraçado isso...saí de lá pensando que precisava mudar tudo...De repente, quero ter um pedaço daquela vida de volta."

Jeffrey estava com Ian e Gus no jardim, brincando com os cachorros enquanto Iza aproveitava o momento de sossego para estudar.

Depois de pouco mais de uma hora colocando toda a conversa em dia com Marco, Ally olhou mais uma vez para o celular depois de desliga-lo. Não, talvez fosse melhor segurar a onda e deixar para ligar à noite, conforme o plano. 

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora