2.3.6. ABISMOS

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— Eu sabia que você ia acabar assim... — Ally resmungou enquanto atravessava a porta da varanda. Sentou-se ao lado de Norman, que estava distraído com o cigarro aceso, a brasa quase chegando no filtro. A cinza longa e encurvada para o chão deixava óbvio que estivera há muito tempo com aquele olhar distraído para o horizonte que não estava vendo.

Sem esperar uma resposta, pois obviamente ele não a havia percebido entrar (muito menos a ouviu falar), sentou-se ao seu lado, pegou um cigarro de seu maço e acendeu. Como esperava, o brilho repentino da faísca saindo do isqueiro o trouxe de volta de onde quer que ele estivesse.

— Oi Shoo...não tinha visto você aí...

— Eu percebi. Bem, como eu disse...Eu sabia que você ia acabar assim.

— Você não é uma peça com defeito. Se você...

— Eu avisei...

— Saí mesmo pensativo, mas não é nada do que você espera.

— Me surpreenda, então...

— Só fiquei pensando...de onde saíram tantos babacas.

— Ah, é isso? — ela riu sem muita vontade. Soprou a fumaça enquanto batia a cinza no cinzeiro. — Você só conheceu dois. Tudo bem, não são os "menos piores" também... ah, pelo amor de Deus, Shoo!

Revirou os olhos enquanto pegava o cinzeiro e colocava debaixo do cigarro que segurava entre os dedos, antes que a cinza enorme caísse. Só então ele percebeu e apagou o cigarro antes que o filtro queimasse e a brasa chegasse entre seus dedos.

— Pelo menos um eu consigo entender o tamanho do estrago. Bom, eu já sabia, mas uma coisa é ouvir você contar, outra é estar ali, diante da cena toda. Puta merda, será possível que não existiu um único cara na sua vida que não foi um completo e total babaca?

— Só um. — Ela respondeu com um sorriso nos lábios fechados e um brilho no olhar tão bonito que dava um ar quase infantil. Ele corou um pouco com o elogio repentino.

— Estou falando do Ian, antes que você se anime...

O vermelho que se espalhava pelo rosto dele começou a baixar na mesma hora.

— É brincadeira, Shoo...bom, mais ou menos. Até mesmo porque você ainda precisa de alguns reparos e o Ian tem uma vantagem...sou eu que estou criando ele. Digamos que você veio com alguns defeitinhos de fábrica.

— Não precisa ser uma chata, né... — ele riu meio sem graça enquanto cobria o rosto com as mãos. — Mas é sério. Eu não imaginava que era tudo tão antigo.

— Eu sei...É por isso que eu não queria ir lá, não durante todos esses anos. Eu não queria mais despertar essas coisas. Mas quer saber uma coisa engraçada que eu percebi?

— Que eu entendo mais de português do que você imaginava?

Ela olhou para ele com o queixo caído que aos poucos virou um meio sorriso.

— Até você falar, eu juro que não tinha nem percebido...deve ter sido coisa demais pra processar e meu cérebro não aguentou...De qualquer maneira...presta atenção, isso é importante!

— Desculpa...pode falar. — Estava fazendo cócegas na cintura dela enquanto ela tentava falar. — O que você percebeu?

— Tanto o meu pai, quanto o "figura" que você conheceu enquanto eu não estava aqui...Você sacou, né?

— Você vai ter que ser mais específica. Eu saquei muita coisa a seu respeito hoje, não vou arriscar dar o palpite errado.

— O meu pai...bom...não é um caso que ele não sabia o que eu era capaz se eu tentasse. Até onde eu poderia ir. Ele só sacava uma ou outra qualidade minha quando era interessante para ele mesmo. Sabe, para mostrar para a namorada nova a filha inteligente...

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora